É Possível Usar com Eficiência a Força
Das Marés que Movem a Geografia da Alma
Carlos Cardoso Aveline
A marca da natureza é a diversidade na unidade. É o contraste com diálogo. A vida é uma combinação de numerosas vibrações diferentes, cada uma com sua frequência própria e outras características peculiares. Os tipos de vibração da consciência humana são provavelmente infinitos. Em filosofia esotérica, eles são quase sempre classificados de modo setenário. [1] Mas também podem ser divididos e classificados de outras maneiras.
O estado de espírito de um ser humano é, pois, um conglomerado complexo de consciências diferentes. Em qualquer momento ou situação, há várias modalidades de consciência ocorrendo ao mesmo tempo no Espaço sutil da alma. Cada indivíduo atua sob a influência de fatores incontáveis, presentes nos planos físico, emocional, mental e espiritual. Nem todos os fatores, porém, têm o mesmo peso, e avaliá-los requer atenção.
A geografia da alma é uma ciência sagrada. A paisagem ou topografia da consciência humana se organiza e se distribui de acordo com o carma acumulado, e isso ocorre a partir dos fatores dominantes da consciência. Entre eles se destacam a Intenção, ou a “direção escolhida”, e a Vontade, que é a “força motora da alma”.
Os fatores dominantes da alma estabelecem o foco central das ações e percepções do indivíduo. Eles definem as características centrais do modo como se organiza a consciência, no amplo espaço sutil do espírito humano.
Levando em conta apenas a qualidade da vida, é possível dividir as faixas e modalidades de vibração da consciência humana em quatro grandes grupos de percepções, dentro do chamado estado de vigília. Eles se referem ao Foco da consciência, e não excluem de modo algum a sempre abrangente Totalidade Complexa do ser.
Eles são:
1) A Faixa da Contemplação
O grupo mais elevado de vibrações é naturalmente o espiritual. Aqui estão a sensação de bem-aventurança e a vivência da bênção incondicional. Encontramos nesta dimensão de espaço a percepção da unidade de tudo o que há, e a compreensão imediata da eternidade da vida. A consciência da contemplação está presente na alma durante as 24 horas do dia. A elevação do foco da consciência até esta consciência é algo que pode ocorrer a qualquer momento. Se não há uma obstrução séria da ponte com a alma imortal [2] – o foco da percepção tende a se elevar sempre que ocorre uma renúncia ou perda do apego cego às rotinas da vida externa. A ação correta leva ao desapego, e o desapego torna a alma leve.
2) A Faixa da Harmonia Elevada
O segundo grupo de estados de consciência que temos em estado de vigília reúne os tipos de ideias e emoções que possuem dinamismo e atividade mas, ainda assim, são compatíveis com o primeiro grupo. Há integração, harmonia e coerência, mesmo em meio ao esforço e ao contraste da vida externa. A presença da alma é perceptível. Esta parte da consciência está iluminada pela experiência suprema da consciência imortal.
3) A Faixa da Oscilação e do Contraste
O terceiro aglomerado de possibilidades da consciência é intermitente e intermediário. Não há aqui uma contradição consistente em relação à essência da alma e ao bem-estar interior. Tampouco existe uma percepção estável do mundo sagrado, ou um esforço definido em função do ideal de autoaperfeiçoamento. Nesta faixa ocorrem as oscilações, as dúvidas, as provações não resolvidas, a luta interna da alma, e também – por outro lado – o estado de não-despertar, a situação intermediária, pacata, média, “neutra”, morna. O medo, a cobiça e o apego, assim como os hábitos que sustentam a ignorância espiritual, lutam intensamente pela sua própria preservação. Eles se sentem ameaçados pela presença potencial da sabedoria.
4) A Faixa da Negação do Superior
O quarto aglomerado reúne as situações que negam e contradizem mais fortemente o bem-estar da alma imortal e a coerência da alma mortal ou eu inferior, criando um carma que irá tornar difícil a fixação e estabilização do foco da consciência nos grupos 1 e 2.
O caminho espiritual não consiste apenas em expandir os grupos 1 e 2 de estados de consciência. É necessário também melhorar o tenso equilíbrio do grupo 3, tornando-o mais favorável aos grupos 1 e 2, e reduzir a base densa de resistência à sabedoria, presente no grupo 4.
O progresso no caminho teosófico é obtido através da autodisciplina, da renúncia e da simplicidade. Não basta a idealização otimista pela qual se busca alcançar a faixa da contemplação. As agradáveis homenagens ao mundo espiritual, se não estão acompanhadas pela dura renúncia feita voluntariamente, ficam sem alicerce e produzem um mecanismo de autoilusão “espiritual” que nega o verdadeiro caminho. O erro então imita a sabedoria e se reveste de uma falsa aparência, como na imagem dos sepulcros caiados, usada por Jesus no Novo Testamento.
O aprendiz precisa revisar regularmente seus hábitos diários, identificando quais deles sustentam a faixa 4, quais impedem o progresso na faixa 3 – e renunciando efetivamente a eles. Ele deve também identificar os novos hábitos que irão promover uma transmutação para melhor em cada uma das quatro faixas, e adotá-los com força, moderação e perseverança, levando em conta que o tempo é cíclico.
As Quatro Etapas de Cada Ciclo
A arte de viver ensina que não basta compreender os quatro grandes aspectos do espaço sutil da consciência. É preciso examinar os quatro aspectos do tempo.
Em cada ciclo da vida, estamos sujeitos à alternância de dois pares de etapas. Mesmo num único dia podemos enxergar as quatro instâncias, assim como em uma vida inteira. Toda atividade tem os seguintes momentos:
1) Um início, que, ocultamente, configura na verdade um re-início;
2) Uma segunda etapa de crescimento e desenvolvimento acentuado;
3) Um período de auge;
4) Uma diminuição gradual de energias – e a síntese final e conclusão do ciclo.
A filosofia esotérica ensina a atravessar de modo consciente e criativo estas etapas, nos ciclos grandes e pequenos de uma vida humana, e também ao longo da caminhada espiritual do eu superior, que envolve várias encarnações.
O aprendiz passa gradualmente a usar com sabedoria a força das marés do carma, e percebe melhor quando deve inovar; quando acentuar e expandir o que é novo; quando preservar o que está estabelecido; e quando abrir mão dos velhos processos da vida, para que seja preparada uma outra inovação, e um novo início.
Este aspecto da arte de viver se relaciona ao mesmo tempo com as quatro estações do ano; com as quatro etapas de uma vida humana; com as quatro fases da lua; e as quatro etapas astrológicas do ciclo de Saturno. O planeta dos anéis regula um dos ciclos iniciáticos da evolução da alma.
As Quatro Estações
A primavera é o início da vida. O verão – o auge do ciclo – expande e consolida o que foi plantado na infância. No outono, aprende-se a buscar o essencial e a optar pela conservação da energia. No inverno, a conservação da energia é aprimorada e a renúncia se transforma numa forma prioritária de sabedoria: a alma evita toda dispersão e concentra o seu talento naquilo que foi escolhido como prioridade central. No final do inverno, surge o momento de romper a rotina, abrindo espaço para uma nova primavera, e para um reinício melhorado do ciclo vital. [3]
Em cada estação, em qualquer fase da complexa maré cármica e nas quatro fases da lua, algo deve ser plantado, nos diferentes níveis de consciência: inclusive paz-ciência e capacidade de esperar.
Não é pretendendo colher com avidez que se garante uma boa colheita. Depois de plantar, deve-se permitir que a germinação e o crescimento da vida ocorram de acordo com o seu próprio ritmo e segundo as leis da natureza. Quando há maturidade do espírito, o plantio é feito no plano da alma, e tem como meta expressar o potencial sagrado não só de si mesmo, mas de todos os seres. Muito antes de pensar na colheita, é preciso observar e vigiar o que estamos plantando a cada instante.
NOTAS:
[1] Veja, a propósito, os artigos “Os Sete Princípios da Consciência” e “Os Sete Princípios do Movimento”, que podem ser encontrados em nossos websites associados.
[2] Leia o texto “A Ponte Entre Céu e Terra”, que está disponível em nossos websites.
[3] A respeito das quatro estações do ano, cujo ciclo se relaciona com as quatro grandes iniciações, veja em nossos websites associados o artigo “A Magia do Final de Ano”.
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada sem indicação de nome de autor na edição de julho de 2010 de “O Teosofista”.
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Sobre os ciclos do tempo na Arte de Viver, veja também o texto “Uma Batalha Diária”, que está disponível em nossos websites associados.
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