Pomba Mundo
 
O Testemunho de um Aluno
Direto de Helena P. Blavatsky
 
 
Visconde de Figanière
 
 
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Nota Editorial de Outubro de 2016
 
O texto a seguir é reproduzido do capítulo 21 da obra “Estudos Esotéricos, Submundo, Mundo, Supramundo”, com 744 pp., pp. 603 a 617. Este livro do Visconde de Figanière foi publicado na cidade do Porto, em Portugal, em 1889, pela Livraria Internacional de Ernesto Chardron, Casa Editora Lugan & Genelioux.
 
De família judaica, o pensador português Frederico Francisco de Figanière nasceu em Nova Iorque, EUA, em 2 de outubro de 1827, e viveu até 1908.[1]
 
Foi aluno direto e amigo pessoal de Helena Blavatsky, e morou no Brasil. No Rio de Janeiro, entre 1862 e 1867, foi primeiro secretário da representação diplomática de Portugal. De abril de 1867 a abril de 1868, representou seu país em Madrid, Espanha. De 1870 a 1876, Figanière trabalhou na Rússia como Ministro Plenipotenciário de Portugal. Ainda naquele país, morou durante algum tempo junto à família de Helena Blavatsky, e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de Santa Ana.
 
Foi enquanto vivia na Rússia que Figanière escreveu em inglês o romance “Palmitos”, com base em material coletado no Brasil. Narrando a vida de colonos portugueses no império brasileiro, o romance de mais de 1000 páginas foi publicado em 1873, em Londres, em três volumes. Figanière passou vários anos na Inglaterra, onde participou do movimento teosófico. A publicação do livro “Estudos Esotéricos” ocorreu em 1889, quando tinha 62 anos de idade. Depois disso recolheu-se para uma vida mais retirada. Há escassas notícias sobre sua trajetória nas duas décadas finais da sua vida.
 
Dono de uma abertura de horizontes fora do comum, Figanière escreveu romances, contos e artigos em vários idiomas. Uma das suas obras que abordam assuntos de interesse teosófico é “Quatro Regras de Diplomacia” (Lisboa, 1881). Seus escritos são citados na obra “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky, e seus artigos sobre teosofia foram publicados em inglês nas revistas teosóficas fundadas por ela.
 
Principal pioneiro do movimento teosófico em língua portuguesa, a sua vida e os seus escritos constituem uma referência para o trabalho da Loja Independente de Teosofistas. Fica claro pelo texto a seguir que Figanière tinha um enfoque próprio e bem informado sobre o processo de discipulado.
 
Visando facilitar a compreensão de alguns trechos do texto, adotamos na transcrição a seguir sinônimos pertencentes ao vocabulário usado atualmente. Por exemplo, colocamos “dão assistência” ao invés de “assistem”; “adeptado” em lugar de “adeptismo”; e usamos a palavra “comum” ao invés de “ordinário”. Empregamos o termo “religiões” em lugar de “seitas”, quando a ideia se refere na linguagem atual a religiões como um todo e não a seitas dentro delas.  Também acrescentamos a tradução de frases em latim, ou explicações, entre colchetes, em itálico e sublinhado. 
 
Desta transcrição foram omitidos os dois itens finais do capítulo, que se referem a detalhes administrativos do movimento teosófico em 1889. O título original deste capítulo XXI é “A Hierarchia Occulta e a Sociedade Theosophica”.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Os Mestres e o Discipulado
 
Visconde de Figanière
 
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Assinatura de Figanière, oito anos antes da publicação de “Estudos Esotéricos”
 
 
 
1. Origem da Hierarquia  
 
Houve tempo, antes que a sombra do materialismo, eclesiástico e científico, se espalhasse pela humanidade, em que o Adepto, qual rei e sacerdote, dirigia o progresso da nossa raça; e mesmo no tempo árido assinalando o curso descendente deste ciclo, a corrente do Adeptado não chegou a estancar de todo. Há apenas quinhentos anos que os templos foram abandonados inteiramente, sobrelevando a voz do sábio o peso do egoísmo e da materialidade.” (MAN, p. 137.) [2]
 
Já se aludiu (§ 39, p. 238) à conjuntura em que, nos começos do manvântara, apareceu um dhyan-chohan de alta categoria para doutrinar os homens; e que o mesmo se repete no começo de cada ciclo maior. Isso não significa “revelações” ao modo intimado por um Maomé, ou, pior ainda, por um Joe Smith, etc. A missão daquelas entidades reduz-se a dar a primeira nota da Verdade, imprimindo-lhe a direção que têm de seguir as vibrações através das séries do respectivo ciclo. Aparecem como custódios da ciência desenvolvida no ciclo anterior; e a resultante da mesma dá a medida daquela nota-chave assim transmitida ao novo período de atividade. Depois de cumprido o seu ministério, retira-se da cena o respectivo Manu ou Dhyan-chohan. A essas vibrações correspondem, sob aspectos graduados, as chamadas ideias inatas.
 
As tradições de diversas religiões dominantes conservam notícia, embora deturpada, de semelhantes aparições. Segundo o bramanismo,  Brahma o Criador (não o Ente Supremo) revelou os Vedas aos sete Rishis. É a versão exotérica do fato de haver o dhyan-chohan ou ser planetário comunicado à humanidade a ciência da alma ou transcendental de que era depositário, estabelecendo por esse ato a base da Hierarquia dos Adeptos (isto é, à medida que a humanidade em peso se afastasse desse nível do saber, os que nele se conservassem ou que a ele subissem depois, eram  eo ipso [por isso mesmo] rishis ou adeptos; o número sete simboliza os subciclos, e o rishi uma coletividade). As tradições acerca do primeiro Zoroastro têm a mesma referência. Análogas são as do Egito, da Caldeia, e das diversas religiões arcaicas. Tal é a origem de onde derivaram os Brâmanes, os Magos, e outras ordens sacerdotais. Primitivamente sacerdote e adepto eram sinônimos; não havia eclesiásticos no sentido que lhes atribuímos hoje.
 
2. Classes de Adeptos e Centros Esotéricos  
 
sete classes de adeptos, das quais as duas últimas e mais eminentes são conhecidas só nos Centros. Os chefes das outras cinco classes são, no Tibete, designados Chutuktu (joias da sapiência). Todos os adeptos pelo mundo fora, exceto alguns poucos afiliados às duas classes misteriosas, reconhecem a supremacia de um dos cinco Chutuktu, que, sem estarem associados a centro algum particular, são cabeças de todos.
 
Os centros ora existentes (desde tempos imemoriais) são três: um no Tibete, outro no Egito, e o terceiro num ponto do Himavat ou montes Himalaias, que só os iniciados saberiam identificar. Os Chutuktu dão assistência no Tibete, visitando os centros periodicamente. Os dois adeptos chefes supremos da Fraternidade Oculta residem, segundo se crê, num oásis do deserto de Gobi, onde são procurados somente por adeptos da ordem mais adiantada. Das suas circunstâncias o iniciado comum sabe tão pouco quanto o mundo externo sabe das circunstâncias dos outros adeptos. Nos centros prosseguem os mesmos estudos, e na mesma base geral, mas os processos diferem quanto aos detalhes. Os adeptos não prestam obediência a forma alguma eclesiástica; por outro lado são-lhes inibidos quaisquer ritos de mágica. O adeptado não conhece limitações geográficas. Há hoje adeptos ingleses, húngaros, gregos, índios norte-americanos, e asiáticos de todas as nacionalidades.
 
3. Graduações do Adeptado  
 
Os graus são nove, tendo cada um sete subdivisões. O progresso do adepto consiste em lidar contra forças nocivas desenvolvidas pela natureza; não só contra as que se hajam concentrado na sua pessoa, mas também contra as suas correlações do mundo externo, representando por vezes energias de suma maleficência. Cada passo, ou iniciação em escala superior, significa uma vitória mais definida sobre tais poderes. Há ainda um décimo grau, mas incompatível com o mundo físico;  a pessoa qualificada para ele amanhece em outra esfera de existência. Os adeptos das graduações superiores são chamados no Ceilão de Arahat ou Arhat (o digno); no Tibete, de Byang-Tsuïb, e na Índia de Mahatma (espírito Grande). O termo genérico entre os Árias antigos era Rishi (revelador). São todos equivalentes a “sábio cheio de santidade”, mas em diversos graus de adiantamento. Também se diz sadhu (homem santo), sannyasi (um asceta), yogi (um místico que segue o sistema de Patañjali), etc.
 
4. Faculdades Desenvolvidas por Adeptos
 
No conceito do vulgo têm-se em conta de “milagres” muitos atos devidos a mahatmas, embora sejam os primeiros a protestar contra semelhante atribuição. Os chamados milagres são deveras fenômenos científicos, e nada mais; salvo que a ciência do mahatma inclui estados supernormais inatingíveis pelos processos da ciência comum. Ao contrário do faquir vulgar, os mahatmas são muito parcos em exibirem os seus “poderes”,  siddhis em tecnologia oriental; só o fazem quando julgam o caso digno da sua intervenção, como em benefício de uma causa justa, humanitária [3], etc. Não costumam aliás dar sinais de si; sem observarem clausura, realizam todavia aquela ideia tão belamente expressa por S. Jerônimo com mira em Asella: unius cellulæ clausa angustiis, latitudine paradisi fruebatur. [Embora confinado a uma só cela, experimentava toda a extensão do paraíso.]
 
Eis aqui algumas das possibilidades com que vão acreditados os mahatmas:
 
I. Porem-se em relação (en rapport) com os seres planetários pertencendo ao nosso sistema solar [4];
 
II. Portanto, como é fácil compreender (aceitado o postulado), saberem, pela visão interna, penetrar todos os recantos do mesmo sistema. Para os mahatmas mais adiantados, o nosso pequeno cosmos não tem segredos;
 
III. Por consequência, predizem o futuro [5];
 
IV. Ainda mais, imporem a sua vontade nas agências cósmicas (elementais) do nosso planeta. Tal é o poder instrumental de que se servem e que dirigem pela vontade, na maior parte dos fenômenos tendo aparências de “prodígio” (veja a página 285);
 
V. Transmitirem a voz a grandes distâncias. É uma faculdade telefônica que hoje em dia não deve suscitar maiores dúvidas;
 
VI. Influírem (dentro de certos limites) na ação dos irracionais, e na vontade de homens não adeptos. Em presença dos efeitos da “sugestão”, de que o mundo é agora teatro reconhecido, nada haveria tampouco que opor;
 
VII. Esquadrinharem os pensamentos alheios. Aqui ainda, as maravilhas da telepatia, definida no plenum da Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres, dariam mate aos milagreiros;
 
VIII. Entenderem línguas estrangeiras sem as haver estudado. Têm  diversos meios para o conseguir; um destes é porem-se en rapport com a mente de uma pessoa conhecendo o respectivo idioma – a telepatia não está muito longe de saber dar conta do efeito (veja-se também a explicação dada por PATAÑJALI, livro III, af.  17);
 
IX. Prolongarem a própria existência (física). Os químicos é que não poderiam nunca preparar a receita que lhes desse um mahtama. Aqui a têm: o “Elixir da Vida”, assunto de tantos e tão incessantes estudos por parte de alquimistas de meia-ciência, e tudo em vão, nada mais foi e nada mais é do que um símbolo exprimindo os frutos da sapiência. (O metal vil dos grandes alquimistas, simbolizava a energia animal no homem; o ouro, a sapiência; o elixir da vida, a imortalidade.) Quem alcançasse a maior de todas as vitórias, triunfando de si mesmo, teria já absorvido o elixir da vida, na certeza que, afogado o egoísmo qual serpente, a carne, feita escrava da vontade governada pelo princípio supereminente, quase nenhuma necessidade conhece, podendo assim manter a energia vital por um tempo relativamente imenso. Fisiologicamente falando, a constituição da carne altera-se um tanto por virtude de certa translação da potência vital em benefício do sukshma sarira, que de latente faz-se activo. Daí vem dizer-se que os efeitos do “elixir” são reduzirem as propriedades do corpo (físico) – fato  que se realiza literalmente, ­ –  enquanto aumentem a persistência vital, mas não indefinidamente, porque a conservação do organismo que se reduz tem limites que nenhum poder é capaz de ultrapassar. Destas possibilidades não costumam os adeptos aproveitar-se de bom grado, e só quando obedecem a incentivos de ordem elevada. Tem havido porém adeptos de vida multissecular. Que há nisso de incrível? Sem falar nos conhecidos macróbios, deu-se notícia, vai pouco tempo, de um ancião ter falecido com 250 anos, numa das províncias do Brasil. A ser exato, vence o caso do velho Pero Carvalho, que dizia: Neta, traze-me cá tua neta que é viúva” (MIG. LEIT. D’ANDRADE, Misc. I, 18). Francisco de Andrada (Chron. de D. João III, vol. 3, p. 196) afirma que existia então em Diu, na Índia, um homem tendo 335 anos de idade; os dentes lhe haviam caído cinco vezes; o cabelo de branco se tornara preto; tinha um filho de 90 e outro de 12 anos, etc.; e todavia, suposto o dito provado, este ancião não era, nem podia ser um adepto;
 
X. Curarem doentes. Naturalmente pelas virtudes do magnetismo, que ninguém conhece melhor do que eles;
 
XI. Desdobrarem-se; isto é, projetarem o próprio sukshma, ou o homem interno, para onde lhes aprouvesse, vencendo todas as distâncias. São porém obrigados a ter em conta o estado atmosférico, para não arriscarem a vida; pois que as faculdades do adepto não vão até contrariar uma lei qualquer da natureza, mas sim antecipar os efeitos por virtude de outra lei;
 
XII. Decomporem a matéria inerte, recompondo-a à vontade em qualquer lugar. Tais fenômenos fundam-se na química transcendental, cuja chave é o arcanum magnum dos mahatmas – compelir os elementais à obediência. Por exemplo, sem que o adepto lhe ponha a mão, decompõe-se um objeto (taça, vidro, folha, ramo, flor, livro, etc.) nos seus elementos, até certo grau de sutileza, cada um dos quais, seguindo pela própria e privativa corrente ígneo-eletro-magnética da atmosfera, transfere-se para um lugar determinado pela vontade do operador, onde de novo todos se combinam (veja acima a  p. 285). Nos começos de 1884, vi e tive nas mãos uma carta, dirigida a certa pessoa em Paris, afiliada à Sociedade Teosófica, a qual a achara na sua mesa pela manhã ao despertar, carta que datada da véspera, vinha assinada pelo mahatma Kut-hum residente nos Himalaias. Constava de meia folha de papel, de um fabrico desconhecido na Europa; estava escrita a lápis azul em belas letras e na língua inglesa, sendo resposta a uma comunicação que a dita pessoa lhe havia dirigido pelo correio, cerca de um mês antes. A estas cartas dá-se o nome de precipitadas; são a bem dizer os telegramas dos Adeptos, com a vantagem de trazerem todos os ff e rr sem erro possível.
 
Isso basta para se compreender o que podem o saber e a virtude desses homens extraordinários. Basta para se lhes reconhecer inteira razão na reserva que observam [6]. Essa remontada ciência terá o seu quando para o mundo em peso; no entretanto os meios que fornece seriam armas temíveis às mãos dos iniquíssimos. E o próprio mahatma, o que lhe impede cometer abusos? O simples fato de ser mahatma, um ente destituído de toda e qualquer espécie de egoísmo, obedecendo aos únicos ditames da sapiência. Seria tão fácil ao peixe viver fora da água, ao homem adulto recuar para os anos da infância, como ao mahatma mudar o seu elemento ou voltar a pôr o alvo nos estreitos horizontes de outrora; se fosse possível, nunca houvera chegado ao que é. Conhecer o Mal para aborrecê-lo, ou conhecer-lhe as possibilidades para as aproveitar, bem se vê quanto vai dizer. O faquir de má nota depende de forças malignas, por lhe faltar aquilo que neutraliza o mal acompanhando a ciência; o magnum arcanum está fora do seu alcance. Como há de nunca emparelhar com o poder do mahatma, cuja pré-excelência consiste na faculdade de coibir e obrigar essas forças de que o outro só sabe aproveitar-se condicionalmente e de modo imperfeito? E aqui temos outra prova da sempitermidade do Bem, da intermitência do Mal cujo último rastejo se manifesta efeito: o auge do poderio envolvido na sapiência, só se alcança quando já não tem preço para quem o alcance.
 
A fim de se fazer alguma ideia do que fosse indispensável ao adepto para ter a faculdade de provocar, por indução subjetiva, os três estados extáticos dharana, dhyan e samadhi, sendo este o pináculo, vejamos o que se diz dos graus inferiores da hierarquia.
 
5. Iniciados e Discípulos
 
Os Iniciados constam de quatro graduações, todas abaixo da mais reduzida classe de adeptos. É só depois de admitido na graduação inicial, que o neófito considera-se como pertencendo à Irmandade Oculta. Os discípulos ou aspirantes à iniciação conhecem-se na Índia pelo nome de chela, e abrangem duas classes: a dos regulares ou aceitos, sendo a outra a classe probatória. Dá entrada nesta última divisão toda pessoa, homem ou mulher, que se apresente como candidato a discípulo, logo que obtenha consentimento de um adepto para fazer ensaio.
 
Na falta de mente sã, corpo são, bons princípios morais e costumes já disciplinados, nenhum chela tem esperança de ir adiante. De fato o maior número sucumbe na tentativa; não por serem despedidos, são eles mesmos que se despedem. Daí provém que os adeptos da grande iniciação reduzem-se a muito poucos.
 
Não se impõe ao chela uma regra determinada; o impulso vem dele, sem o que nada lhe aproveita. Nenhum preceito recebe; tem de se contentar com o exemplo. Depois de formalmente admitido na classe dos chelas regulares, o discípulo escolhe, entre os adeptos, um que lhe sirva de guru (guia ou diretor). Isso faz quando lhe parece, tanto mais quanto a tese é que deve acertar na escolha; quer dizer, descobrir por intuição própria o mestre que lhe destina a natureza. Os chelas costumam adotar o nome do guru, acrescentando-lhe a palavra pa (homem); por exemplo,  Kut-hum-pa = homem de Kut-hum; Moriah-pa = homem de Moriah. É ilimitado o número de discípulos de um mahatma.
 
O método seguido pelos diretores consiste meramente de sugestões, tendo por fim abrir a faculdade intuitiva do discípulo, para que se acostume à contemplação, a concentrar o pensamento e a disciplinar a vontade, tornando-se senhor dela.  Indica-lhe a via a seguir, sem fazer-lhe revelações. O chela tem de descobrir tudo que lhe caiba descobrir pelo único esforço das próprias faculdades. É a pedra de toque em que a maior parte dá prova de lhe faltar o quilate; e cedo abre mão do propósito. Daí vem o dizer: “não se faz o adepto, ele faz-se por si”. É o contrário do que avança Tertuliano, no tocante aos cristãos: “fiunt, non nascuntur christiani” [Os Cristãos são feitos, não nascem cristãos.]  (APOLOG. 17, fin.). Ao nascer, o chela fadado a vingar é já um adepto em embrião. Afirma-se aliás que o atingimento do estado de adepto pressupõe uma série de encarnações prévias, de eficácia crescente e não interrompida.
 
6. Provas à Promoção do Iniciado   
 
Para ser admitido na classe mais humilde dos adeptos, o chela iniciado tem de dar conta de si por quatro escalas, tecnicamente chamadas “perfeições”, desenvolvidas todas em grau igual:
 
A primeira constitui a realização da “verdade”; isto é, que fora desta tudo é transitório. A segunda perfeição, consequência da outra, é a “impassibilidade”. Quer dizer, indiferença quanto a gozar o fruto das nossas ações, tanto nesta existência como em outra; mas sem abandono dos deveres sociais. Em suma o neófito não há de reduzir-se a um estado beneficamente passivo, mas sim deixar de proceder por meros impulsos do desejo.
 
A terceira perfeição é conseguir os seis “predicados”, a saber:
 
Sama – ser senhor do órgão interno, a mente, e das emoções e desejos;
 
Dama – ser senhor dos órgãos externos, isto é, domar os atos corporais;
 
Uparati – “renunciar” aos cuidados domésticos, e às preocupações de qualquer seita eclesiástica (esta afirmação, quase técnica, precisa de duas palavras de comentário: renunciar significa aqui manter a mente inconcussa diante das maiores provações do lar de família, isso sem descontinuar de cumprir os deveres domésticos; e, analogamente, não se deixar abalar nem demover da empresa pelos preconceitos religiosos);
 
Titiksha – abnegação, isto é, reprimir o egoísmo, e facilidade em separar-se dos chamados bens do mundo; deste predicado o tipo de maior relevo é ausência de qualquer ressentimento (apoiado na doutrina do carma, a saber: amigos ou inimigos são efeitos cármicos; portanto, não cabe a nós pedir-lhes conta dos seus atos);
 
Samadhana – constância, isto é, persistência no caminho escolhido, sejam quais forem os impedimentos acidentais, como por exemplo os deveres do mundo, etc., de forma que, cumpridos estes, o neófito regresse com júbilo ao modo anterior (samadhana é, tecnicamente, o meio de conservar esta disposição, tendo o discípulo como passatempo refletir – observados tais intervalos – no que ouvira do mestre);
 
Shraddha – confiança no guru ou mestre, e na própria aptidão de se aperfeiçoar – não confiança cega, mas fundada na razão, no que já se tem por verdade. (O método  dos gurus é recomendarem frequentemente que o discípulo verifique por si mesmo os dados do ensinamento fornecido, entrando num dos estados extáticos; isto pressupõe certo adiantamento do chela iniciado.)
 
Vê-se que um homem possuindo os seis predicados, já não saberia o que é ambição, nem interesse, nem ódio, nem rancor, nem vingança, etc.
 
A quarta perfeição consiste no desejo pela existência nirvânica. Difere da segunda perfeição, porque esta significa a tendência de se afastar da vida que seja meio de gozo egoísta; ao passo que a quarta é um modo de ser inconcebível para quem não possuísse as três primeiras perfeições ou virtudes.
 
São as perfeições segunda e quarta que imprimem efetividade aos seis predicados, que sem elas seriam estéreis.
 
Há, como vimos, graus de iniciação abaixo do grau de adepto, para os que não cheguem ao mesmo nível em todos os predicados; ou melhor, é já como iniciado que se aperfeiçoa o discípulo que aspira ao estado de adepto. Igualar-se nas quatro perfeições é promessa, para o chela, de chegar ao adeptado nesta encarnação; é sinal, a bem dizer, do progresso feito na vida antecedente, ou numa série de vidas. Como sabem ler o passado, não deve custar aos mahatmas “coligirem notas” [7] sobre os precedentes cíclicos de um aluno qualquer. Mas sem irem tão longe, nem consultarem os registros impactados na luz astral, basta que, com a vista interna, penetrem o íntimo de um ser humano para lhe conhecerem as aptidões. Ao conhecê-las o guru não perde oportunidade de prestar a sua ajuda, reanimando as energias dormentes; mas o seu auxílio não pode ir além da capacidade cármica do indivíduo. O mahatma não é criador; ele inspira e educa. Não se insurge contra a lei; secunda os esforços da natureza, comunicando-lhes boa direção. O mahatma é o tipo do homem enquadrado.
 
Quanto ao mais, a virtude não se aprende. “A virtude não tem mestre; é fiel àquele que a honre, foge daquele que a despreza” (PLATÃO, Repub. Liv. 10, discurso da Virgem Lachesis às almas). “A virtude é uma espécie de inteligência, um costume que intelectualiza a alma” (PLOTINO, Enn. VI, 8, § 5). “Sem virtude, isto é, sem boa direção do entendimento, está tudo perdido” (SPINOZA, Deus, o Homem e a Beat. P. II, c. 26). No dizer de Cícero, a virtude é uma: qui unam haberet, omnes habere virtutes [Quem tem uma só virtude, tem todas as virtudes.] (De Off., II, 10).
 
7. Estudantes Livres  
 
Há também os que se chamam “chelas leigos”. São estes que, sem propósito de aspirarem ao estado de discípulo, dedicam-se aos estudos do Ocultismo. Dizem os mestres que por este meio se pode alcançar a primeira das perfeições (realizar a verdade, que nada mais quer dizer senão compreender que não há verdade no que é fenômeno), dando assim um grande impulso ao progresso cármico e uma vantagem inestimável às condições da próxima-futura encarnação. Um chela leigo ou estudante livre que se apresentasse a candidato, seria logo recebido na classe probatória.
 
8. Os Mahatmas e a Imprensa
 
Nos primeiros anos houve questão sobre a veracidade dos que alegavam a existência de mahatmas; agitou-se bastante na imprensa inglesa e americana. É assunto com que me não hei de demorar, senão para dizer que muitas pessoas, entrando nesse debate como incrédulos, saíram dele dando-se por convencidas.
 
Quem tiver curiosidade neste particular achará os argumentos pró e contra, no número um de HINTS ON ESOTERIC THEOSOPHY, em cuja segunda edição (1882) vem um apêndice de documentos relativos ao incidente que deu tanto em que falar aos periódicos do dia, a saber: o aparecimento no alto mar em “corpo astral” (sukshma ou homem interno) do mahatma Kut-hum diante do bem conhecido médium W. Eglinton, que se achava a bordo do paquete [navio de grande porte] “Vega” em viagem da Índia para a Europa, isso em cumprimento de aviso prévio feito a este antes do seu embarque; e a conversa havida entre o médium e o adepto desincorporado.
 
9. Origem e Propagação da Sociedade Teosófica
 
O meio pelo qual se estabeleceram as primeiras relações entre os mahatmas e o mundo de fora foi uma senhora – bem se vê que estamos numa idade em que as mulheres já sabem impor-se, um dos sinais de maior promessa em prol da genuína civilização – essa senhora é Helena Petrovna Blavatsky, viúva de um alto funcionário, e aparentada com famílias ilustres do império moscovita.
 
Depois de largos anos de disciplina esta senhora, não menos respeitável pelos seus altos dotes intelectuais do que pela energia do seu caráter, obteve o grau de iniciada de terceira ordem, isto é, faltando-lhe só um passo para atingir a escala imediata ao adeptado. [8]  Dali a pouco publicou nos Estados Unidos uma obra em inglês intitulada ISIS UNVEILED (2 grandes tomos in-8.°), que criou bastante sensação naquele país e na Grã-Bretanha, obra que está hoje na oitava edição. É documento de uma vasta erudição, conhecendo de todas as religiões arcaicas, e demonstrando as suas afinidades com as diversas escolas esotéricas, mas com ânimo muito diferente do de um Dupuis ou de um Volney. O jornal Public Opinion, de Londres, chamou a este livro “um monumento estupendo da indústria humana”; e o New York Herald,  “um dos grandes feitos (achievements) deste século”. Foi por este livro que, obtida a aprovação dos mahatmas, se começou a levantar o véu, sopesando alguns dos ensinamentos a que a autora teve acesso como aluna na Índia. Esta senhora e um cidadão norte-americano, o Coronel Henry S. Olcott (cavalheiro independente pelos haveres, e que dois anos antes tinha sido admitido na Índia à iniciação preliminar) foram os fundadores da Sociedade Teosófica. Organizou-se em New York no ano de 1875, transferindo-se a sede para Madras, um pouco mais tarde; e ali continua.
 
Propagou-se com rapidez, principalmente nas Índias Orientais. Nos fins de 1886 havia 136 grêmios dependentes, a saber: Índia, 96; Burma, 3; Ceilão, 8; Inglaterra (Londres), 1; Escócia (Glasgow), l; Irlanda (Dublin), 1; França (Paris), 1; Alemanha (Elberfeld), 1; Holanda (Haya), 1; Grécia (Corfu), 1; Rússia (Odessa), 1; Estados Unidos (diversas cidades), 13; Índias Ocidentais (S. Thomas e Port-au-Prince), 2; África (Queenstown, Cape Colony), 1; e Austrália (Brisbane, Queensland), 1. Os dados que vão abaixo estabelecem a razão do movimento progressivo: Em 1875 existia só a Sociedade matriz. Quanto à concessão de diplomas de fundação, o mapa estatístico dos grêmios dependentes mostra o seguinte:  1 em 1876, 2 em 1877 até 1879, 11 em 1880, 27 em 1881, 51 em 1882, 93 em 1883, 104 em 1884, 121 em 1885, e 136 em 1886. (O relatório publicado em janeiro de 1888 acusa mais 21 grêmios admitidos no ano de 1887, subindo o total a 157.)
 
Em 1879 fundou-se o jornal da Sociedade THE THEOSOPHIST, que se tem publicado regular e mensalmente desde então, na cidade de Madras. Os mahatmas comunicam com a Sociedade por intermédio de certos discípulos ou chelas, delegados para tal fim. Alguns destes têm escrito artigos para o citado jornal, onde, nos primeiros anos, apareceu um ou outro do próprio Kut-hum. Ele e Moriah são os únicos mahatmas que têm relações seguidas com a Sociedade; pertencem ambos ao Centro dos Himalaias.
 
NOTAS:
 
[1] Fonte da informação sobre a data e local de nascimento de Figanière: “Portugal; Diccionario Historico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Heraldico, Numismatico e Artistico, por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, João Romano Torres e Cia Editores, Lisboa, Portugal, 1907, Vol. III, p. 454.  O nome completo do pensador é Frederico Francisco Stuart de Figanière e Morão. A família Morão é de judeus cristãos-novos, segundo Pinharanda Gomes informa em seu ensaio sobre ele, intitulado  “Gnose e Liberdade”  e publicado no livro “Pensamento Português”, de Pinharanda Gomes, volume IV, Edições do Templo, Lisboa, p. 111, nota de rodapé. O nome Figanière é judeu, e o Visconde aparece com seu nome completo na lista “Categoria: Judeus de Portugal” na Wikipédia, em outubro de 2016.  (CCA)
 
[2] “Man”, obra mencionada no primeiro parágrafo, é o livro “Man: Fragments of Forgotten History”, de “Two Chelas” (na verdade Mohini Chatterjee e Laura Holloway, London: Reeves and Turner, 1887, 165 páginas).  (CCA)
 
[3] Nota do Visconde de Figanière – Com idêntico sentimento de desapego diz Confúcio: “Investigar os princípios das coisas além da inteligência humana, praticar atos extraordinários estranhos à natureza humana, em suma, operar prodígios para adquirir admiradores e seguidores nos séculos futuros, eis o que eu não quereria fazer.” TCHUNG-YUNG, C. XI.
 
[4] Nota do Visconde de Figanière – Nenhum adepto pretende ser capaz de sondar o infinito do cosmos. O alcance do mais avantajado não vai além dos confins do sistema solar; os segredos da natureza que pôde descobrir devido às suas energias intuitivas são referentes ao mesmo. Isto não se opõe a que ele obtenha uma ciência mais vasta; porque alguns adeptos têm a faculdade de comunicar com seres planetários do sistema solar possuidores dessa ciência.
 
[5] Nota do Visconde de Figanière – “As faculdades do homem soberanamente perfeito são tamanhas que pode, por meio delas,  prever as coisas que hão de suceder.” TCHUNG-YUNG, C. XXIV. Esta alusão do chinês é relativa a faculdades supersensoriais.
 
[6] Nota do Visconde de Figanière – Há porém outra razão não menos fundada, a saber, que a ciência oculta, no que encerra de mais recôndito, não se pode ensinar; tem cada um de adquiri-la por si; logo, a lição seria ininteligível. Plotino interpreta pela mesma forma a proibição que se fazia nos Mistérios, de revelar aos não-iniciados o que aí se passava; diz: “Como aquilo que é divino é inefável, prescreve-se o silêncio para com aquele que não teve a felicidade de o ver” (isto é, de o alcançar). ENN. VI, 9, § 11.
 
[7] A prática de “coligir notas”, é seguida também por codiscípulos:  veja em nossos  websites associados o artigo “Aprendendo Com Cada Detalhe da Vida”, de Helena Blavatsky. (CCA)
 
[8] Sobre o fato de que HPB era discípula Iniciada, veja a Carta 92 de “Cartas dos Mahatmas”, pp. 97-98 do segundo volume. Uma alusão indireta mas clara ao fato de que ela tinha a terceira grande iniciação pode ser encontrada na Carta 128, no mesmo volume dois de “Cartas dos Mahatmas”, pp. 282-283. Ali, ao falar da grande complexidade de alguns aspectos da filosofia teosófica, o Mestre afirma que só alguém que tenha passado pela terceira iniciação é capaz de escrever com clareza a respeito. Em seguida o instrutor anuncia que  a obra “A Doutrina Secreta” iria esclarecer em grande parte os temas, quando publicada. Helena Blavatsky estava escrevendo o livro. (CCA)
 
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                O brasão do Visconde de Figanière
 
 
O estudo do texto “Os Mestres e o Discipulado”, de Figanière, é recomendado pelo Círculo de Pesquisa e Estudo Sobre o Discipulado, CPED. O Círculo de Pesquisa faz parte da Loja Independente de Teosofistas.
 
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O grupo SerAtento oferece um estudo regular da teosofia clássica e intercultural ensinada por Helena Blavatsky (foto). 
 
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Para ingressar no SerAtento, visite a página do e-grupo em YahooGrupos e faça seu ingresso de lá mesmo. O link direto é este:   
 
 
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