Como o Caminho Avança
Montanha Acima o Tempo Todo
Helena P. Blavatsky
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Nota Editorial:
No artigo a seguir, o leitor deve levar em conta o
fato de que a Sociedade Teosófica original, a que nele se
refere Helena Blavatsky, deixou de existir durante a década
de 1890. Pouco depois da morte de HPB em 1891, aquela
Sociedade dividiu-se em vários segmentos. Devido, pois, à
diversidade atual do movimento, sempre que o texto a seguir
se refere a “Sociedade” ou a “Sociedade Teosófica” o leitor
deve entender “movimento” ou “movimento teosófico”.
(CCA)
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Estas bem conhecidas linhas de Christina Rossetti:
“O caminho serpenteia montanha acima, o tempo todo?
– Sim, o tempo inteiro.
E o trajeto de cada dia, toma o dia todo?
– Da manhã à noite, companheiro.” [1]
– são como uma síntese da vida daqueles que estão realmente trilhando o caminho em direção às coisas mais elevadas. Sejam quais forem as diferenças que se possa descobrir entre as várias apresentações da Doutrina Secreta – porque em cada época ela veste uma roupagem nova e diferente da apresentação anterior, tanto na textura como nas nuances -, ainda assim em todas elas podemos encontrar total concordância em um ponto: o caminho para o desenvolvimento espiritual. Uma única regra inflexível tem sido sempre obrigatória para o iniciante, assim como é obrigatória agora; a completa dominação da natureza inferior por parte da natureza superior.
Desde os Vedas e os Upanixades até o volume “Luz no Caminho”, recentemente publicado, por mais que procuremos pelas bíblias de todas as raças e cultos, encontramos apenas um caminho – difícil, doloroso, incômodo – pelo qual os seres humanos podem obter a verdadeira percepção espiritual. E como poderia ser diferente, se todas as religiões e todas as filosofias são apenas variantes dos ensinamentos originais da Sabedoria Una, dados aos homens no começo do ciclo pelo Espírito Planetário?
No verdadeiro adeptado, o homem desenvolvido, deve – conforme é ensinado sempre – transformar-se ele mesmo em Adepto. Ele não pode ser transformado em Adepto por outra pessoa. O processo é portanto um crescimento por evolução, e isso deve envolver necessariamente uma certa quantidade de sofrimento.
A principal causa do sofrimento está na nossa busca perpétua do permanente no impermanente, e nós não só buscamos, mas agimos como se já tivéssemos encontrado o imutável em um mundo cuja única característica certa e que podemos proclamar é a constante mudança; e sempre, no momento em que nós pensamos que conseguimos estabelecer a nossa base sobre algo permanente, a situação muda diante de nós, e o resultado é o sofrimento.
Assim, a ideia de crescimento implica também a ideia de ruptura. O ser interno deve continuamente irromper através da sua casca ou revestimento limitador, e tal irrupção também deve ser acompanhada de sofrimento, não físico, mas mental e intelectual.
E é assim que as coisas funcionam, ao longo das nossas vidas. O problema que surge diante de nós é sempre exatamente aquele que nós sentimos como o mais difícil entre todos os problemas possíveis – e é sempre a única coisa que sentimos que não podemos suportar. Se olharmos para o problema desde um ponto de vista mais amplo, veremos que estamos tentando romper nossa casca no seu único ponto vulnerável; que o nosso crescimento, para ser um crescimento real e não o resultado coletivo de uma série de excrescências, deve avançar no mesmo nível em todos os aspectos, assim como cresce o corpo de uma criança, não primeiro a cabeça e depois uma mão, seguida talvez por uma perna, mas em todas as direções ao mesmo tempo, de modo regular e imperceptível. A tendência humana é cultivar cada parte separadamente, deixando de lado enquanto isso as outras partes. Cada sofrimento intenso é causado pela expansão de alguma parte deixada de lado, uma expansão que é tornada mais difícil pelos efeitos do estímulo colocado em outro lugar.
O mal é frequentemente o resultado de um excesso de ansiedade, e os seres humanos tentam sempre fazer coisas em excesso. Eles não aceitam deixar o bem em paz, fazendo apenas o que a situação exige e nada mais. Eles exageram cada ação e assim produzem carma que deve ser trabalhado em um renascimento futuro.
Uma das formas mais sutis deste mal é a esperança e o desejo de recompensa. Há muitos indivíduos que, embora frequentemente isso ocorra de modo inconsciente, estragam todos os seus esforços por alimentar esta ideia de recompensa, e por permitir que ela se torne um fator vivo em suas vidas, deixando assim a porta aberta para a ansiedade, a dúvida, o medo, o desânimo – o fracasso.
A meta do aspirante à sabedoria espiritual é ingressar em um plano mais elevado de existência. Ele deve tornar-se um novo ser humano, mais perfeito em todos os sentidos do que ele é atualmente, e se ele tiver êxito, suas capacidades e habilidades terão um aumento proporcional de variedade e potência, assim como no mundo visível nós vemos que cada estágio na escala evolutiva se caracteriza por um aumento de capacidade. É deste modo que o Adepto adquire poderes maravilhosos, que têm sido descritos com tanta frequência; mas o ponto principal a ser lembrado é que estes poderes são resultados naturais da existência em um plano mais elevado da evolução, assim como as capacidades e habilidades do ser humano comum são resultados naturais da existência no nível humano comum.
Muitas pessoas parecem pensar que o adeptado não é tanto o resultado de um desenvolvimento de raiz, mas sim uma construção por acréscimos. Elas parecem imaginar que um Adepto é um homem que, ao passar por um determinado processo de treinamento perfeitamente definido, que consiste da observação minuciosa de um conjunto de regras arbitrárias, adquire primeiro um poder e depois outro; e que, quando obteve um certo número destes poderes, ele é então promovido à condição de adepto. Com base nesta ideia equivocada, imaginam que a primeira coisa a ser feita, para alcançar o adeptado, é adquirir “poderes” – clarividência e o poder de sair do corpo físico e viajar a outros locais estão entre os que fascinam mais pessoas.
Não temos nada a dizer a aqueles que desejam adquirir poderes para sua vantagem pessoal. Eles estão sujeitos à mesma condenação de todos os que agem em busca de metas puramente egoístas. Mas há outros que, confundindo a causa com o efeito, pensam honestamente que adquirir poderes anormais é o único caminho para o desenvolvimento espiritual. Estes olham para a nossa Sociedade simplesmente como o meio mais fácil de obter conhecimento nesta direção, e considerando-a como uma espécie de academia oculta, uma instituição estabelecida para a instrução de candidatos a fazedores-de-milagres. Apesar de repetidos protestos e avisos, há algumas mentes em que esta noção parece fixada de modo irreversível, e elas expressam enfaticamente a sua decepção quando descobrem que aquilo que lhes havia sido dito antes é perfeitamente verdadeiro; que a Sociedade não foi fundada para ensinar nenhum caminho novo e fácil para a obtenção de “poderes”; e que a sua única missão é reacender a tocha da verdade, há muito tempo apagada para todos exceto alguns muito poucos, e manter aquela verdade viva através da formação de uma união fraterna da humanidade, o único solo no qual a boa semente pode crescer. A Sociedade Teosófica realmente deseja promover o crescimento espiritual de todo indivíduo que estiver sob sua influência, mas os seus métodos são os dos antigos Rishis, e os seus princípios são os do mais antigo esoterismo. Ela não distribui panaceias patenteadas, compostas de remédios violentos que nenhum negociante honesto seria capaz de usar.
Em relação a isso, queremos advertir a todos os nossos membros e a outros que estão procurando conhecimento espiritual, para que tenham cuidado com pessoas que se ofereçam para ensinar-lhes métodos fáceis para adquirir dons psíquicos. Tais dons (laudika) são de fato relativamente fáceis de obter por meios artificiais, mas desaparecem assim que o estímulo nervoso se exaure. A clarividência e o adeptado verdadeiros são acompanhados pelo desenvolvimento psíquico autêntico (lokothra); e, uma vez alcançados, nunca mais são perdidos.
Parece que várias sociedades surgiram desde a fundação da Sociedade Teosófica, tirando proveito do interesse que esta última despertou em relação à pesquisa psíquica, e elas têm tentado obter membros prometendo a eles uma fácil obtenção de poderes psíquicos. Na Índia, sabemos há muito tempo da existência de legiões de falsos ascetas de todos tipos, e pensamos que há perigos renovados deste tipo na Europa e na América do Norte. Apenas esperamos que nenhum dos nossos membros, deslumbrado por promessas brilhantes, deixe-se carregar por sonhadores autoiludidos, ou, talvez, por pessoas que agem mesmo com a intenção de enganar.
Para mostrar que nossos protestos e advertências são realmente necessários, podemos mencionar que recentemente vimos, anexados a uma carta de Benares, cópias de uma propaganda distribuída por um “Mahatma”. Ele diz que procura por “oito homens e mulheres que saibam bem inglês e alguma das línguas nativas da Índia”, e conclui dizendo: “aqueles que desejarem saber detalhes do trabalho e do valor a pagar” devem escrever para o seu endereço, com selos de correio incluídos! Sobre a nossa mesa há um exemplar de “O Divino Pymander”, publicado no ano passado na Inglaterra, contendo a notícia dirigida aos “Teosofistas que podem estar decepcionados em suas expectativas de que a Sabedoria Sublime fosse transmitida livremente por MAHATMAS HINDUS”, convidando-os cordialmente a mandarem os seus nomes ao Editor, e afirmando que este, “depois de um curto período de provação”, os admitirá em uma Fraternidade Oculta que “lhes ensinará livremente e SEM RESERVAS tudo o que eles considerarem que vale a pena aprender.” Estranhamente, encontramos no mesmo volume um trecho em que Hermes Trismegisto afirma:
“Nisto está o único caminho que leva à Verdade, o qual de fato foi trilhado pelos nossos ancestrais, e pelo qual eles puderam conquistar o que é Bom. Este caminho é belo e plano; no entanto, é difícil para a alma caminhar por ele enquanto ela estiver presa à prisão do corpo …. Portanto, fique longe das multidões, de modo que através da ausência de conhecimento o vulgar possa ser mantido dentro dos seus limites, ainda que pelo medo do desconhecido.”
É verdade que alguns teosofistas têm ficado profundamente decepcionados (por culpa apenas deles próprios) com o fato de que não oferecemos um atalho fácil para a Yoga Vidya, e há outros que procuram por trabalho prático. E há algo muito significativo: aqueles que menos ajudam a Sociedade são os que mais encontram defeitos. Mas por que estas pessoas, e todos os nossos membros que podem fazê-lo, não se dedicam a um sério estudo de mesmerismo? O mesmerismo tem sido qualificado como a Chave das Ciências Ocultas [2], e ele tem a vantagem de que ele oferece oportunidades muito específicas de fazer o bem à humanidade. Se em cada uma das nossas lojas nós fôssemos capazes de estabelecer um dispensário homeopático [3], com o acréscimo de curas mesméricas tais como as que já foram feitas com grande sucesso em Bombaim [4], nós poderíamos contribuir para que a ciência neste país seja colocada sobre uma base mais saudável, e se torne um instrumento de valor incalculável para beneficiar o povo em geral.
Há diversas lojas teosóficas, além da loja de Bombaim, que têm feito um bom trabalho nesta direção, mas há espaço para que muitas outras coisas sejam feitas além do que já foi tentado até o momento. A mesma situação existe em outras áreas do trabalho da Sociedade. Seria bom que os membros de cada loja pudessem juntar seus pensamentos e investigar seriamente que passos concretos ele podem tomar para adiantar o trabalho em função dos três objetivos declarados da Sociedade. Demasiado frequentemente, os membros da Sociedade Teosófica se contentam com uma leitura um tanto superficial dos seus livros, sem fazer qualquer contribuição real para o seu trabalho. Se a Sociedade quiser ser uma força benéfica neste país e em outras terras, ela terá de obter a cooperação ativa de cada um dos seus membros, e nós gostaríamos de fazer um sério apelo a todos eles para que avaliem cuidadosamente as possibilidades de trabalho que estão ao seu alcance, e depois se dedique com seriedade a transformá-las em realidade. O pensamento correto é bom, mas o pensamento sozinho não significa muito, e é necessário que ele se traduza em ação. Não há um só membro na Sociedade que não seja capaz de fazer alguma coisa para ajudar a causa da verdade e da fraternidade universal. Transformar aquela alguma coisa em um fato concreto depende apenas da sua própria vontade.
Sobretudo, gostaríamos de reiterar que a Sociedade não é um berçário de adeptos incipientes [5]. Não podem ser providenciados professores para estar à disposição e dar instrução às várias lojas sobre os diferentes assuntos que fazem parte do trabalho de investigação da Sociedade. As lojas devem estudar por si mesmas, os livros devem ser obtidos e o conhecimento deles deve ser aplicado na prática pelos vários membros. Deste modo serão desenvolvidos a autoconfiança e os poderes de raciocínio. Nós enfatizamos fortemente este ponto, porque chegaram até nós pedidos no sentido de que qualquer palestrante enviado às lojas deveria ter domínio prático sobre temas como psicologia experimental e clarividência (isto é, saber olhar em espelhos mágicos e ler o futuro, etc., etc.). Mas nós pensamos que tais experimentos só terão algum valor para o indivíduo e só o ajudarão a progredir em seu caminho “morro acima” se surgirem entre os próprios membros, e portanto recomendamos encarecidamente aos nossos membros que tentem por si mesmos.
NOTAS:
[1] Estes versos são citados por um Mestre de Sabedoria em uma carta de 1882. Veja “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, volume I, Carta 42, p. 193. (CCA)
[2] “Ciência Oculta”, em teosofia, é a ciência que estuda os aspectos essenciais do universo, que são ocultos aos cinco sentidos. Ciência Oculta nada tem a ver com “despertar de poderes” no sentido comum, e é inseparável do altruísmo e do compromisso individual com a felicidade de todos os seres. (CCA)
[3] Dispensário: estabelecimento beneficente em que se trata gratuitamente de enfermos. (CCA)
[4] Atualmente, esta cidade indiana se chama Mumbai. (CCA)
[5] Adeptos – em teosofia, adeptos são seres proficientes em sabedoria divina, altos iniciados. (CCA)
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O texto acima é uma tradução do artigo “Spiritual Progress” (1885), publicado em “Theosophical Articles”, Helena P. Blavatsky, The Theosophy Co., Los Angeles, Vol. II, pp. 110-114. Foi publicado originalmente em “The Theosophist”, India, maio de 1885, pp. 187-188.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de teosofistas brasileiros e portugueses decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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O grupo SerAtento oferece um estudo regular da teosofia clássica e intercultural ensinada por Helena Blavatsky (foto).
Para ingressar no SerAtento, visite a página do e-grupo em YahooGrupos e faça seu ingresso de lá mesmo. O link direto é este:
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