A Praça é do Povo, Como o Céu é do Condor
Castro Alves
Nascido a 14 de março de 1847, Castro Alves (foto) viveu até 1871
Nota Editorial de 2014:
Nos séculos 19 e 20 as populações lutavam por seus direitos em grande parte através de protestos e revoltas. No século 21, o modo de tomar o poder é mais complexo – e mais eficaz. Já não é predominantemente físico, ou político-militar.
Os cidadãos e trabalhadores de todas as classes sociais podem e devem tomar o poder. E devem fazer isso primeiro em suas próprias almas, em suas mentes, passando a ser senhores de suas vidas. Em seguida passa a ser mais fácil construir, de baixo para cima e sem violência, uma democracia que seja socialmente justa, economicamente próspera, ecologicamente sustentável e eticamente correta.
O poema clássico de Castro Alves é duradouro como retrato de uma etapa da vida dos povos, e também examina um fator de destaque nas lutas cívicas do século 21. Ao compreender o ativismo social do século 19, percebemos melhor as necessidades do século atual. Os protestos de rua fazem parte da vida dos povos. A ação construtiva e criativa, em que o povo constrói e administra solidariamente com suas próprias mãos pequenas instâncias de poder, são decisivas para que se obtenha a vitória.
A pequena semente contém a árvore adulta. O todo está contido em cada uma das suas partes. Por isso é frequentemente trabalhando em pequena escala que se faz as grandes transformações.
O povo deve educar a si mesmo e, em seguida, educar os governantes, seus empregados. As manifestações de rua são uma das maneiras de educar autoridades.
Em relação ao poema a seguir, cabe registrar um detalhe curioso desde um ponto de vista teosófico. Ao escrever algo que passou a estar entre as frases mais famosas da literatura brasileira, Castro Alves faz uma alusão consciente ou inconsciente à sabedoria dos povos andinos. Diz ele:
“A praça! A praça é do povo, como o céu é do condor”.
É verdade: e os povos são todos irmãos. E o conceito de povo não exclui ninguém. O único inimigo é a ignorância. Dela ninguém está inteiramente livre, e muito menos os que exercem poder político.
(Carlos Cardoso Aveline)
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O Povo ao Poder
Castro Alves
Quando nas praças se eleva
Do Povo a sublime voz…
Um raio ilumina a treva
O Cristo assombra o algoz…
Que o gigante da calçada
De pé sobre a barrica
Desgrenhado, enorme, nu
Em Roma é catão ou Mário,
É Jesus sobre o Calvário,
É Garibaldi ou Kosshut.
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua seu…
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu.
Na tortura, na fogueira…
Nas tocas da inquisição
Chiava o ferro na carne
Porém gritava a aflição.
Pois bem … nesta hora poluta
Nós bebemos a cicuta
Sufocados no estertor;
Deixai-nos soltar um grito
Que topando no infinito
Talvez desperte o Senhor.
A palavra! Vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.
Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma,
Ai cidade de Vendoma,
Ai mundos de cem heróis,
Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra
Do porvir aos arrebóis.
Dizei, quando a voz dos Gracos
Tapou a destra da lei?
Onde a toga tribunícia
Foi calcada aos pés do rei?
Fala, soberba Inglaterra,
Do sul ao teu pobre irmão;
Dos teus tribunos que é feito?
Tu guarda-os no largo peito
Não no lodo da prisão.
No entanto em sombras tremendas
Descansa extinta a nação
Fria e treda como o morto.
E vós, que sentis-lhes os pulso
Apenas tremer convulso
Nas extremas contorções…
Não deixais que o filho louco
Grite “oh! Mãe, descansa um pouco
Sobre os nossos corações”.
Mas embalde… Que o direito
Não é pasto de punhal.
Nem a patas de cavalos
Se faz um crime legal…
Ah! Não há muitos setembros,
Da plebe doem os membros
No chicote do poder,
E o momento é malfadado
Quando o povo ensanguentado
Diz: já não posso sofrer.
Pois bem! Nós que caminhamos
Do futuro para a luz,
Nós que o Calvário escalamos
Levando nos ombros a cruz,
Que do presente no escuro
Só temos fé no futuro,
Como alvorada do bem,
Como Laocoonte esmagado
Morreremos coroado
Erguendo os olhos além.
Irmãos da terra da América,
Filhos do solo da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz..
Ai! Soberba populaça,
Dos nossos velhos Catões,
Lançai um protesto, ó povo,
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações.
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