O Exercício do Bom Senso
Torna Viável a Solidariedade
Carlos Cardoso Aveline
É comum ler e ouvir dizer que no caminho espiritual devemos “pensar em primeiro lugar no que é bom para os outros, e só depois pensar naquilo que é bom para nós”.
Essa ideia é correta. E ela é uma chave para o nascimento de uma civilização planetária baseada na lei da fraternidade universal. Ao mesmo tempo, os ensinamentos teosóficos precisam ser administrados com atenção e cuidado na vida diária, e o preceito do altruísmo está longe de ser uma exceção. A filosofia esotérica ensina que, a longo prazo, não há conflito entre o que é verdadeiramente bom para os outros e o que é verdadeiramente bom para nós.
Por outro lado, o que é bom nem sempre parece “agradável”, e o que parece muito “agradável” nem sempre é bom, de fato.
Uma razoável percepção do que é verdadeiro e falso permite compreender que nem sempre o que é bom para os outros é aquilo que eles querem. Um mendigo, por exemplo, pode querer dinheiro para gastar em cachaça. Da mesma forma, nem sempre o que é bom para nós é aquilo que desejamos. É por isso que existe aquele ditado oriental: “Cuidado com o que tu desejas, porque corres o risco de obtê-lo”.
Isso torna indispensável um bom discernimento. Para desenvolver a capacidade de ver a diferença entre verdade e ilusão, é necessário aprender com a calma observação dos nossos próprios erros.
A prática real do altruísmo ensina que, embora priorizar o bem-estar dos outros seja correto, isso não significa dar todo o nosso dinheiro para o primeiro pobre ou mendigo com quem cruzarmos na rua. Nem trazer para casa todas as crianças abandonadas que olharmos na calçada. Tampouco é correto ajudar ou participar de ações erradas, só porque alguém pede nosso apoio. Marco Túlio Cícero estabelece três condições para ser altruísta:
1) Nossa ação solidária não deve ser injusta para com ninguém, ou seja; ao ajudar uma pessoa, não devemos prejudicar outra, nem fazer nada que não seja correto;
2) Devemos ser solidários dentro do justo limite das nossas possibilidades;
3) Devemos ajudar a alguém que merece ser ajudado. [1]
Para ser inteligente e eficaz, um projeto altruísta deve saltar acima dos casuísmos isolados e ser sistêmico, ser global, e deve levar em conta todas as coisas. Em outras palavras, ele deve atacar mais as CAUSAS do sofrimento do que as suas consequências. E as causas estão sobretudo na alma humana. Um projeto de vida deve ser solidário e não solitário; apesar disso, a independência de cada um é sempre fundamental. No mistério da sabedoria, independência e cooperação são os dois pratos de uma balança cujo equilíbrio é essencial.
Como podemos alcançar o Discernimento que nos capacitará a agir com real eficácia, no caminho do altruísmo, e nos possibilitará eliminar as Causas do sofrimento humano?
Esse discernimento é espiritual. Ele depende do grau de autoconhecimento de cada buscador da Verdade. Ele depende de que cada cidadão estabeleça uma relação mais direta e mais forte com sua alma imortal, com seu eu superior, com a “voz do silêncio” em sua consciência. Para isso, o cidadão terá de trilhar o caminho iniciático, que é ao mesmo tempo o caminho do altruísmo e do autoconhecimento.
No caminho da sabedoria, ao alcançar algo verdadeiramente bom para si, o cidadão está de algum modo beneficiando os outros – assim como a ajuda aos outros é inevitavelmente benéfica para si. Essa é a contrapartida filosófica da chamada solução “ganha-ganha”, hoje popular.
Visto em um plano mais elevado da realidade, esse antigo princípio da ajuda mútua corresponde à Lei Universal.
NOTA:
[1] “De Officiis”, Marcus Tullius Cicero, Loeb Classical Library, Harvard University Press, 2005, Book I, p. 47.
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