Um Processo Sem Limites de Espaço ou Tempo
The Theosophical Movement
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Nota Editorial:
Ao ler este artigo, o leitor deve levar
em conta que o primeiro objetivo do
movimento teosófico moderno é a criação de
um núcleo de fraternidade universal, sem distinção
de raça, classe, casta, sexo, nacionalidade ou
cor. Acrescento sete notas numeradas.
(Carlos Cardoso Aveline)
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O movimento teosófico tem sido descrito como ético, moral, universal, invisível e contínuo. Ele é invisível, mas sua presença é sentida pelos efeitos que produz. A fase atual do movimento, para nossa era e nossa geração, foi lançada em 1875 na cidade de Nova Iorque por H.P. Blavatsky. Mas no seu aspecto atemporal nós podemos identificá-lo século após século; e perceber que ele começou muito longe, na noite dos tempos.
No século três da era cristã, Amônio Saccas [de Alexandria] usou a palavra “Teosofia” ao fazer um esforço para reconciliar as religiões e seitas, mostrando que elas possuíam a mesma verdade. O trabalho de Jacob Boehme na Alemanha, do conde de Saint-Germain na França, como também a reforma de Lutero na igreja e o trabalho de Thomas Paine ao influenciar a grande revolução norte-americana, formam parte deste movimento. Ele não é oriental nem ocidental, mas foi começado no Mundo Espiritual superior. Por isso, nós dizemos que os Mestres e Adeptos inspiram este movimento. Mas será que os Mestres só se preocupam com a Loja Unida de Teosofistas? O sr. [William] Judge afirma:
“Como o Movimento Teosófico é contínuo, ele pode ser encontrado em todos os tempos e todas as nações. Onde quer que o pensamento venha lutando para ser livre, onde quer que as ideias espirituais tenham sido promulgadas em oposição às formas e ao dogmatismo, lá o grande movimento pode ser percebido.” [1]
O movimento teosófico moderno foi fundado em um momento extremamente crítico da história humana, quando o materialismo científico e o dogmatismo religioso apresentavam a verdade como algo a ser rejeitado. Um Mestre escreveu: “Já é hora de que a teosofia entre na arena.” Este é um chamado à luta, e ele faz com que visualizemos o lutador ingressando no local do combate. A teosofia entrou na arena e desafiou não só a Ciência e a Religião, mas o seu desafio era e é feito a toda a humanidade. H. P. Blavatsky descreve da seguinte maneira o movimento em “A Chave Para a Teosofia”:
“Se o movimento teosófico fosse mais um dos numerosos modismos de hoje em dia, que são no final das contas tão inofensivos quanto evanescentes, ele seria simplesmente um motivo de riso (…..), e seria deixado de lado. Mas a verdade é muito diferente. Intrinsecamente, a teosofia é o movimento mais sério da era atual; e um movimento, além disso, que ameaça a própria existência da maior parte das falsificações, dos preconceitos e dos males sociais da atualidade, todos legitimados pela tradição; males que engordam e tornam felizes a minoria dominante e os seus imitadores e bajuladores – os pouco numerosos membros da classe média alta – ao mesmo tempo que claramente esmagam e fazem passar fome milhões de pobres.” [2]
O movimento teosófico é um movimento de ideias. Ele convida o materialismo científico a enfrentar os fatos. A teosofia apresenta fatos e parece dizer à ciência que ela não deve evitá-los. A norma da ciência tem sido adaptar as teorias aos fatos. Assim, se as teorias não correspondem aos fatos, a ciência deve estar disposta a abandoná-las. Mas, de outro lado, os Mestres têm grande apreço pela ciência. Tanto a ciência como a teosofia rejeitam a ideia de milagres. No entanto, a obra “Luz no Caminho” assinala a inadequação do conhecimento científico e dos métodos da ciência:
“O laboratório não é o único local em que se pode fazer experimentos; devemos lembrar que a palavra ciência deriva de sciens, ‘consciente’ ou ‘ciente’, e de scire, ‘conhecer’. A sua origem é semelhante à origem da palavra ‘discernir’, ‘reconhecer’. (…) ‘Ciência’ é uma palavra que abrange todas as formas de conhecimento. (…) Obter conhecimento através de experimentos é um método muito tedioso para aqueles que aspiram por realizar um real trabalho. Quem obtém conhecimento através de uma intuição segura conquista o conhecimento em suas várias formas com suprema rapidez, através de um intenso esforço de vontade (…).” [3]
O desafio que a teosofia faz para a teologia é que, se a teoria não for apoiada por uma explicação, a religião perde sua validade. A era atual é marcada pela liberdade de pensamento e de pesquisa. Ela cria a necessidade de ir além de meros rituais e cerimônias e de chegar à experiência direta alcançada por aqueles que já são espiritualmente desenvolvidos. O próprio estudo da teosofia é desafiador, e exige do leitor que deixe de lado os preconceitos e as ideias pré-concebidas.
No prefácio de “Ísis Sem Véu”, H.P.B. escreve:
“A obra que agora submetemos ao julgamento público é fruto de um convívio até certo ponto íntimo com adeptos orientais, e do estudo da ciência a que eles se dedicam. Ela é dedicada a aqueles que estão dispostos a aceitar a verdade onde quer que ela esteja, e a defendê-la, enfrentando de frente até mesmo o preconceito popular (….). O livro foi escrito com toda sinceridade. Ele pretende fazer justiça, e dizer a verdade sem malícia ou preconceito. Mas ele não mostra compaixão pelo erro entronizado, nem reverência por autoridade ilegítima. Ele exige para um passado espoliado o crédito que durante muito tempo foi negado às suas descobertas. Ele propõe uma restituição do que foi roubado, e o resgate de reputações caluniadas mas gloriosas. É apenas neste espírito que são feitas críticas a formas de adoração, crenças religiosas e hipóteses científicas. Homens, agrupações, seitas e escolas são apenas fatores efêmeros de uma época que passa. A VERDADE, estabelecida sobre uma rocha de diamante, é eterna e suprema.”
O desafio não é feito a Darwin, a Huxley ou qualquer indivíduo particular, mas aos modos errados de pensamento em que cai a mente humana. Há pessoas, organizações e instituições que forçam as pessoas a pensar de um determinado modo. Nós somos convidados a buscar a Verdade apenas, e nada menos que a Verdade.
O desafio para a humanidade em seu conjunto está no fato de que as doutrinas da fraternidade universal, do carma e da reencarnação não são uma mera utopia, mas são praticáveis. Cada um de nós é desafiado a colocá-las em prática e observar se o resultado ocorre tal como anunciado pela teosofia. O resultado previsto é que nossa Terra será um céu no século 21, se comparado com o que era no século 19. [4]
O desafio é válido especialmente para os estudantes de Teosofia. Para compreender a fraternidade universal, devemos primeiro ter êxito na formação de um núcleo de fraternidade universal. Como podemos fazer isso? Um Mestre de Sabedoria escreve:
“A teosofia, portanto, espera e exige dos membros da Sociedade [5] uma grande tolerância mútua e caridade em relação aos defeitos uns dos outros, e uma ajuda mútua incondicional na busca das verdades de cada aspecto da natureza moral e da natureza física. Este padrão ético deve ser aplicado de modo inabalável na vida diária. A Teosofia não deve representar apenas uma coleção de verdades morais, um pacote de ética metafísica expresso em dissertações teóricas. A teosofia deve ser algo prático (…). Esqueçam o EU no trabalho pelos outros, e a tarefa passará a ser fácil, e leve, para vocês . . . . . .” [6]
“De modo inabalável” é uma palavra forte. Ela não significa apenas “sem hesitação”, mas implica “fazer algo ainda que isso nos faça parecer absurdos aos olhos dos outros”, ou ainda que isso nos cause desconforto físico e mental. Ao formar o núcleo de fraternidade universal, somos desafiados a deixar de identificar-nos com nossa casta ou religião, e a vencer a sensação de ser um hindu, um muçulmano, um cristão, etc. É possível que mesmo depois de um longo convívio com a teosofia o fato de que um estudante pertença a uma religião ou casta particular possa criar estranhas armadilhas em sua consciência. Como disse Jesus: “Saiam de onde os outros estão e sejam diferentes.” Nós somos convidados a viver de modo diferente.
Devemos lembrar que o movimento teosófico foi criado com um certo propósito. No meio da quarta ronda [7], Manas (a mente) foi acendida. Nesta quarta ronda Kama (o princípio do desejo) é predominante. No entanto, Manas só estará completamente desenvolvida na quinta ronda, e naquele ponto toda a humanidade estará frente a frente com “o momento da escolha”, a escolha entre tomar o caminho Correto e tomar o caminho Errado. Como Manas hoje não está completamente desenvolvida, nossas escolhas são vistas com certa tolerância, como se fossem escolhas infantis. Mas com o desenvolvimento completo de Manas, nós seremos totalmente responsáveis. Deste modo, é como um mecanismo de preparação para aquela crise futura que cada um deve tomar sua evolução em suas próprias mãos. Aqueles que o fizerem estarão ajudando a aumentar a segurança de toda a raça humana no futuro. Por isso os Mestres guiam a humanidade. Mas a lei estabelece que, para tornar-se um discípulo, é preciso tornar-se um servidor.
Outras duas ideias importantes que a teosofia se esforça por transmitir são:
1) Os Mestres existem, e eles são Ideais, mas sua existência também é um fato da Natureza. Podemos alcançar o estágio em que eles estão, porque cada um de nós é potencialmente perfeito.
2) A meta mais elevada da vida espiritual não é Moksha ou libertação. Como diz o Mestre, a meta correta “não é o propósito e a determinação individual de obter o Nirvana – a culminação do conhecimento e absoluta sabedoria, o que constitui, afinal, um egoísmo exaltado e glorioso”, mas sim o caminho da Renúncia ensinado pela escola [budista] Mahayana. Portanto, cada indivíduo é inseparável de todos os outros indivíduos. Ninguém pode cometer um erro e sofrer as suas consequências sozinho. Assim, também, ninguém pode progredir sozinho, sem levantar ou afundar um pouco toda a humanidade consigo.
“Luz no Caminho” afirma:
“…Dá a tua ajuda às poucas mãos fortes que impedem a vitória completa das forças da escuridão.” (pp. 26-27, na edição luso-brasileira de 2014, “The Aquarian”)
Aqueles que se somam à Loja Unida de Teosofistas aceitam este desafio de tornar-se servidores. Eles aceitam o desafio de enfrentar “a serpente do eu” – a natureza inferior. Isto significa ser capaz de dizer firmemente que não importa o que me agrada ou me desagrada, nem se algo me fere ou não me fere, mas irei estabelecer um centro de consciência dentro de mim que cumprirá o meu dever espiritual. Isto pode fazer com que enfrentemos algum conflito interior, mas, como disse Jesus, “Eu não trago a paz, eu trago a espada”; e a teosofia diz a mesma coisa. Cada estudante de teosofia tem um papel a cumprir neste movimento. Em “Luz no Caminho” é dito que os Mestres descrevem a si mesmos como servidores da humanidade.
“Uma parte do serviço deles [dos Mestres] é deixar que o conhecimento chegue até o discípulo; o primeiro ato de serviço, da parte do discípulo, é dar algo daquele conhecimento aos que ainda não estão preparados para estar onde ele está.” (veja pp. 67-68, na edição luso-brasileira de 2014)
Este é o modo arquetípico de expressar a nossa participação no movimento teosófico. Assim como os Mestres deram o conhecimento a nós quando não estávamos prontos para chegar até onde eles estão, assim também nós devemos ajudar aqueles que sabem ainda menos que nós. “…Permite que a escuridão em teu interior te ajude a compreender o desamparo daqueles que não viram a luz, e cujas almas estão em escuridão profunda.” (veja a p. 26 da edição luso-brasileira)
Aqueles entre nós que foram beneficiados através da teosofia aceitaram ajudar os Mestres. O desafio da teosofia não é saber o quanto que nós aprendemos, mas saber até que ponto estamos dispostos a assumir esta tarefa. Cada um de nós deve decidir que papel irá cumprir no progresso de toda a raça humana. É dada a nós a oportunidade de participar do movimento teosófico, através da associação com a Loja Unida de Teosofistas. Depende de nós manter este corpo, instrumento ou forma tão puro quanto possível, de modo que a luz interior possa irradiar-se para o mundo externo e mais pessoas possam chegar à teosofia pura e simples – incontaminada por nossas opiniões ou predisposições.
“Por quanto tempo, ó deuses radiantes da verdade, quanto tempo mais devem eles escutar que a teosofia não é propriedade de uma nação, que não é uma religião, mas apenas o código universal de conhecimento, e a mais transcendental ética que jamais foi conhecida; que ela está na essência de cada filosofia moral e religião, e que nem a teosofia em si, nem o seu humilde instrumento, o movimento teosófico, têm qualquer coisa a ver com personalidade, ou personalidades.”
NOTAS:
[1] “W.Q. Judge Series” número 3, p. 1. O trecho pertence ao artigo “O Movimento Teosófico”, de W.Q. Judge, que está publicado em nossos websites.
[2] Traduzido diretamente de “The Key to Theosophy”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Mumbai, Índia, p. 269. Na edição brasileira de “A Chave Para a Teosofia” (Ed. Teosófica), veja p. 233.
[3] “Luz no Caminho”, de M.C., Tradução, Notas e Prólogo de Carlos Cardoso Aveline, The Aquarian Theosophist, Portugal, 2014, 85 pp. Ver p. 41 e p. 43.
[4] É com esta ideia que H.P.B. conclui seu livro “A Chave Para a Teosofia”.
[5] “Membros da Sociedade”, isto é, “membros do movimento teosófico”. A sociedade teosófica original deixou de existir durante os anos 1890.
[6] Do texto “Algumas Palavras Sobre a Vida Diária”, de Um Mestre de Sabedoria. O artigo está disponível em nossos websites associados.
[7] “Quarta ronda” – a expressão se refere a uma enorme extensão de tempo, do ponto de vista dos ciclos planetários abordados na obra “A Doutrina Secreta”, de H.P.B. O movimento foi criado tendo em vista uma visão de longo prazo da evolução humana e geológica.
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O texto acima foi traduzido da edição de novembro de 2004 da revista mensal indiana “The Theosophical Movement”. A revista é publicada por associados da Loja Unida de Teosofistas, LUT. Título original do artigo: “The Theosophical Movement Timeless and Present”. A tradução foi publicada inicialmente na edição de novembro de 2008 de “O Teosofista”.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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