Pomba Mundo
 
O Desafio Prático de Abrir Espaço Para a Sabedoria
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
O Brasil Universalista
 
Antônio Vieira, José Bonifácio de Andrada e Silva,  e Diogo Antônio Feijó
 
 
 
Como todo país, o Brasil é um processo histórico sujeito a alterações. Ele pode e deve ser constantemente aperfeiçoado. Melhor e mais realista do que reclamar do lugar em que se vive é examinar com calma a seguinte questão:
 
“De que forma se pode construir uma ponte mais eficaz entre a cultura em que vivemos e aquele conhecimento superior, eterno e universal que pertence desde sempre a toda a humanidade?”
 
Esta é uma tarefa de autoconstrução individual e coletiva. Ela pertence de direito a todo estudante da filosofia teosófica ou da filosofia clássica. Não se trata de uma tarefa secundária, nem fácil. Bem pelo contrário. Mas há uma carta de um Mahatma dos Himalaias em que se pode encontrar, por analogia, uma lição valiosa a esse respeito. No texto, um mestre da sabedoria oriental descreve a relação especial dos Raja-Iogues com o povo indiano, e acrescenta:
 
“…..Estamos todos convencidos de que a degradação da Índia se deve em grande parte à asfixia da sua espiritualidade antiga, e de que tudo quanto ajude a restaurar esse padrão mais elevado de pensamento e de moralidade deve ser uma força nacional regeneradora (…..)”.  [1]   
 
Neste curto trecho se estabelece uma relação direta entre a degradação de um país e a falta de contato dele com o que há de melhor em sua própria cultura, ou seja, a sabedoria universal. 
 
Esta é uma ideia simples, básica, que contém uma lição decisiva para o Brasil e outros países de língua portuguesa, e deve ser motivo de ações práticas vitoriosas ao longo do século 21. 
 
É conveniente buscar na cultura do país em que vivemos o que há de mais universal e elevado, isto é, mais ligado ao sexto princípio da consciência, Buddhi, a alma imortal. Por isso tem sido uma meta dos nossos websites associados resgatar o melhor da cultura brasileira e portuguesa, e valorizar os pontos altos da filosofia clássica ocidental.   
 
É preciso reconhecer que, ao contrário da Índia, o Brasil não possui uma tradição milenar de sabedoria. Ao longo destes cinco séculos, porém, tem havido em nossa cultura uma sucessão constante de luzes pioneiras que preparam pacientemente o surgimento da próxima “idade da razão”. A consciência desta tímida linhagem iluminista é estimulante. Os pontos mais elevados da trajetória cultural do Brasil devem ser reconhecidos e assinalados. Há nela uma grande diversidade de elementos. Todos eles são imperfeitos em si mesmos, mas a sua influência abre gradualmente espaço para o surgimento mais amplo e mais enraizado da teosofia autêntica, a partir do século 21. 
 
1) Panteísmo e Sincretismo na Origem do Brasil
 
O ser humano parece ser naturalmente panteísta. Ele tende a  reconhecer a  presença do  sagrado e do transcendente nos mais  diferentes seres e  aspectos da vida,  ao invés de projetar esta presença num único ser imaginário, convenientemente controlado pela casta sacerdotal. Um estudo antropológico da história do Brasil não só confirma esta saudável tendência panteísta, mas revela, também que o deus monoteísta das igrejas não é brasileiro.
 
Na verdade, o Deus Imperial dos sacerdotes cristãos constitui uma invenção europeia da Idade Média que veio para o Brasil junto com as caravelas de Cabral no ano de 1500, e que serviu para abençoar o massacre dos índios, a escravidão e o genocídio dos africanos, a extração ilimitada de madeira, e, claro, para legitimar o capitalismo comercial como um todo. 
 
Destituídos de qualquer timidez quando se trata de adotar fantasias teológicas, os bem intencionados jesuítas da segunda metade do século 16 pretenderam atribuir aos povos locais a crença em um “Senhor dos Céus”, um deus monoteísta. Em seu livro “A Religião dos Tupinambás”, rigorosamente documentado, Alfred Métraux desmonta este mito fabricado pelos sacerdotes. Diz Métraux:
 
“Quando os missionários quiseram encontrar na língua dos tupinambás uma expressão correspondente a ‘Deus’, escolheram, a falta de melhor, a palavra ‘Tupan’.  Nóbrega, Vasconcelos, Marcgrave e muitos outros autores atribuíam a este nome o sentido equivalente a ‘coisa sagrada, misteriosa e excelente’, aplicável especialmente ao trovão e aos relâmpagos, nos quais os indígenas viam a manifestação de um poder invisível.”  [2]
 
Métraux mostra em seguida a falsidade desta fabricação teológica, e conclui:
 
“Tupan está longe, pois,  de ser uma noção implicando a ideia do sagrado. É uma espécie de gênio ou demônio, que não era objeto de nenhum culto e ao qual não se dirigia nenhuma prece.” (p. 42) 
 
Tupan era apenas o espírito do trovão e do relâmpago, associado também às tempestades. Se mais tarde alguns indígenas passaram a associar Tupan com Deus, foi devido apenas à influência da distorção promovida pelos sacerdotes.   
 
Os indígenas brasileiros reconheciam a existência de espíritos na mata, no  céu, e na água. A música e a dança eram parte central dos seus rituais sagrados. O maracá, instrumento musical formado por uma cabaça em que se introduziam sementes ou pedras, fazia o papel de chocalho e era receptáculo de espíritos, sendo usado pelos feiticeiros. 
 
O deus monoteísta não é brasileiro, pois. Mas os deuses da natureza são. E eles apreciam uma boa música.  
 
Do encontro cultural entre os pioneiros portugueses e a Pindorama dos indígenas surgiu um Brasil naturalmente sincrético. A primeira missa rezada no Brasil foi dirigida por um franciscano, e o franciscanismo tem forte influência panteísta. Os “frades menores” são irmãos do sol, da lua, do fogo e da água. Em um romance clássico sobre o descobrimento do Brasil, o escritor Xavier Marques descreve uma pequena cerimônia informal em abril de 1500, e anterior à primeira missa:
 
“….. No outro dia, debaixo de um esparavel, em presença do capitão-mor, dos pilotos, marujos, oficiais, bombardeiros e degredados, com a bandeira do Cristo desatada, enquanto os selvagens na terra firme dançavam, tangendo flautas de taquara e cuias chacoalhantes, subiu às alturas, em ação de graças, o primeiro ofício divino celebrado no país do ocidente”. [3]      
 
Só na segunda metade do século 16 vieram ao Brasil os primeiros jesuítas. Pessoalmente honestos e idealistas, eles representavam a tropa de elite criada por Inácio de Loyola para combater o protestantismo. A meta dos “soldados de Cristo” era estabelecer uma dominação teocrática e totalitária. O Vaticano buscava instaurar uma ditadura mundial eclesiástica, sob comando do papa. Para isso eram usados métodos como a espionagem, a mentira, a prisão, a tortura e o assassinato dos que se opusessem a este projeto, ainda que fossem reis. Como reação natural, na segunda metade do século 18 a ordem dos jesuítas foi fechada em um país após outro. Finalmente, o próprio papa foi obrigado a dissolvê-la oficialmente, e ela só ressurgiu à luz do dia depois das guerras napoleônicas do início do século 19.     
 
Em pleno século 16, o pensador português Damião de Góis (1502-1572) foi influenciado pelo humanismo de Erasmo de Roterdam e pode ser considerado um precursor da teosofia moderna. Preso pela Inquisição e acusado de ter ideias heréticas, ele passou vários anos no cárcere. Morreu pouco depois de ser solto, tendo sido assassinado, segundo tudo indica, por um jesuíta. 
 
O padre Antônio Vieira (1608-1697) foi outro pensador universalista. Defensor dos índios e dos judeus, visionário, Vieira denunciou a falta de ética dos governantes do seu tempo e propôs uma utopia messiânica, o chamado “sebastianismo”. Em consequência disso tudo, passou vários anos nas masmorras da Inquisição portuguesa.[4]   
 
Pedro de Rates Hanequim (1680-1744) foi um pensador utópico. Ele viveu longo tempo nas Minas Gerais, e via o Brasil como o paraíso terrestre. Terminou sendo acusado de heresia, preso e assassinado pela Inquisição.  
 
Ainda no século 18, Antônio José da Silva, o grande autor de peças teatrais, português nascido no Brasil, foi preso pela Inquisição de Portugal e longamente torturado pelos sacerdotes, antes que os representantes de Deus decidissem, finalmente, assassiná-lo – para maior glória da sua suposta divindade. Antônio José da Silva era acusado de ser judeu, de ter ideias iluministas, e de defender o direito à liberdade de pensamento. 
 
2) Matias Aires Questiona a Aparência do Mundo
 
Pode-se dizer que o primeiro filósofo luso-brasileiro foi Matias Aires (1705-1763). Ele nasceu no Brasil e é um exemplo de autor cuja obra deve ser melhor conhecida. Matias Aires foi influenciado pelo jansenismo, uma corrente de pensamento cristã. Apoiados por Pascal, os jansenistas combatiam os jesuítas, defendendo a liberdade de pensamento e desafiando o projeto autoritário do Vaticano. Aires não chegou a ser visto como herege.
 
Abordando a doutrina cristã e budista segundo a qual o universo conhecido é ilusório e impermanente, ele escreveu o seu valioso livro “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens” a partir de uma citação de Eclesiastes (1: 2). O livro é de 1752 e nele Aires aborda o contraste que há entre a unidade interna de todas as coisas do universo, de um lado, e o caráter externamente ilusório e contraditório do universo e de todas as coisas, de outro lado. Ele afirma que, devido à unidade essencial de tudo o que há, não se pode conhecer algumas coisas sem que se conheça todas as outras. Assim Aires questionava as certezas do dogmatismo, religioso e científico. Ele estava em sintonia com o iluminismo de Jean-Jacques Rousseau, que despertava polêmicas desde o lançamento, em 1750, do seu “Discurso Sobre as Ciências e as Artes”. Rousseau, resgatando Sócrates, mostrava a precariedade do conhecimento humano, especialmente quando não há ética. Matias Aires escreveu:
 
“Vemos confusamente as aparências de que o mundo se compõe: os nossos discursos raramente encontram com a verdade, com a dúvida, sempre; de sorte que a ciência humana toda consiste em dúvidas. Ainda dos primeiros princípios visíveis, e materiais, só conhecemos a existência; a natureza não; porque a contextura do universo é em si unida, e regular em forma, que na ordem das suas partes não se podem conhecer umas, sem se conhecerem todas; por isso todas se ignoram, porque nenhuma se conhece: só a vaidade costuma decidir sem embaraço, porque não chega a imaginar-se capaz de erro: os homens mais obstinados são os mais vaidosos, e sempre a porfia vem à proporção da vaidade.” [5]
 
3) A Utopia dos Poetas Agita as Minas Gerais  
 
A ideia da independência do Brasil surge com a Inconfidência, um sonho utópico vivido por parte de alguns poetas e idealistas mineiros no final do século 18. Eles eram influenciados pelo arcadismo, movimento cultural que tinha um forte sabor clássico.
 
A Arcádia é uma região montanhosa localizada no Peloponeso, uma península no sul da Grécia. Na Arcádia, o deus dos pastores, dos bosques e da natureza – Pã – proferia oráculos. É uma região dedicada à poesia e às artes. Conta a tradição que ali nasceu Zeus, o chefe do Olimpo. A Enciclopédia Britânica de 1967 destaca que essa região montanhosa e seu povo não chegavam à costa. O povo vivia geograficamente isolado do resto da Grécia, característica que no contexto brasileiro se pode atribuir – pelo menos em parte e no sentido cultural – às cidades históricas de Minas Gerais.
 
O isolamento em região montanhosa e a harmonia com a natureza – a vida pastoril -colaboraram para que a poesia clássica grega e romana descrevessem a Arcádia como um paraíso. O arcadismo, como tendência cultural e artística, surge em Roma em 1690 e se expressa através de sociedades literárias cujos poetas adotam nomes literários, priorizando descrever a vida simples do campo. Durante o século 18, o arcadismo ganhou grande força no mundo português. Na poesia dos Inconfidentes, os temas clássicos são, pois, prioridade. Os deuses gregos estão presentes. A mente se expande e tem a coragem de sonhar com a utopia da solidariedade. A Arcádia é o Paraíso, e o Brasil tem um parentesco com o Paraíso. A independência surge como um sonho de poetas e não como um projeto político-militar maduro. Por um lado, esse sonho é um exercício literário. Por outro lado, ele é uma revolta popular local contra uma questão específica, o excesso de impostos. Não há um projeto de poder bem definido. Espera-se de algum modo que a Independência, assim como a Nova Jerusalém do Novo Testamento, desça dos céus espontaneamente e sem muito esforço. Mas há uma lição prática nisso para os habitantes do século 21. A experiência mineira ensina que uma sociedade saudável necessita, sim, surgir dos nossos sonhos. Ela deve, de fato, ser um resultado da expansão da nossa consciência. Mas, ao mesmo tempo, ela precisa ter uma âncora – e um alicerce – na vida material cotidiana.
 
A Arcádia brasileira não criou a independência, mas ela fez despertar a alma brasileira. Foi na região montanhosa das Minas que nasceu e se tornou consciente o sentimento de independência. Desde aquele momento, a independência formal passava a ser apenas uma questão de tempo.
 
O arcadismo dos Inconfidentes foi uma utopia humanista inspirada pela filosofia clássica, pela renascença e pelo iluminismo francês que proclamava os direitos humanos. Uma consciência social crítica e irônica – à maneira de Voltaire – aparece nas “Cartas Chilenas” de Tomás Antônio Gonzaga. E havia, claramente, uma influência política da revolução da independência na América do Norte, ocorrida em 1776. O Alferes Tiradentes, por sua vez, provou ser um estoico. Mesmo sem grandes recursos intelectuais, foi um sonhador que – como um bom filósofo – soube morrer por seus ideais. Vista como um todo, a expansão de consciência ocorrida em Minas preparou a independência política do início do século 19. 
 
4) O Brasil de José Bonifácio e Diogo A. Feijó
 
A maçonaria, em seus aspectos filosóficos e em sua proposta de fraternidade universal, cumpriu e ainda cumpre um papel positivo na história do país.  
 
José Bonifácio, o maçom, pensador e estadista visionário de 1822, concebeu um país livre de dogmatismos religiosos. Ele também propôs a reforma agrária, a defesa dos índios, o final da escravidão e a defesa das florestas.
 
Em 1821, Bonifácio propôs até mesmo a mudança da capital desde o Rio de Janeiro para o interior do país e sugeriu que a nova capital fosse construída a uma latitude de 15 graus. Esta é a latitude em que de fato foi construída a capital atual, Brasília – inaugurada em 1961.
 
E Bonifácio escreveu:
 
“Sejamos nós o primeiro povo que apresente o quadro prático dessa paz divinal, dessa concórdia celeste, que deve, um dia, ligar a todo o mundo e fazer de todos os homens uma só família.” [6]
 
E ainda:
 
“Nós não reconhecemos diferenças nem distinções na família humana: como brasileiros serão tratados por nós o china e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do sol e o de Mafoma [Maomé].” [7]
 
Pouco depois de Bonifácio surge Diogo Antônio Feijó, o filósofo kantiano e estadista que foi um dos regentes do Império brasileiro durante a minoridade de D. Pedro II. Em seus escritos filosóficos, Feijó procura demonstrar que o homem tem o dever de agir de modo benéfico para com a humanidade e em relação a todos os seres. Ele escreveu, em sua linguagem clássica:
 
“O benefício é a ação feita no desígnio de fazer bem a outro, sem pretender por isso retribuição. Esta é a ideia que formamos do benefício: é necessário que seja efeito de amor, por isso pronto e acompanhado de afabilidade para nos obrigar. Toda omissão, seja em embaraçar o mal ou em não socorrer, como e quando a caridade obriga, é uma violação da ordem que ligou o gênero humano por propensões que deu a cada indivíduo.”
 
Ao mesmo tempo, Feijó defendeu a liberdade e a autonomia do indivíduo:
 
“Cada um é livre para reconhecer suas circunstâncias e só ele sabe, completamente, como e quando pode fazer o bem.” [8]
 
5) Figanière, um Pioneiro da Teosofia Moderna
 
No campo da literatura teosófica direta, temos o pensador português Visconde de Figanière. Figanière nasceu em 1827. Discípulo e amigo pessoal de Helena Blavatsky, ele morou no Brasil durante algum tempo. Em 1864, residia na cidade do Rio de Janeiro, onde foi membro do Instituto Histórico e Geográfico. Entre 1870 e 1876, Figanière foi representante extraordinário de Portugal em São Petersburgo, na Rússia. [9]
 
Durante a década de 1880, ele escrevia artigos teosóficos publicados no “Jornal do Comércio”, de Lisboa.[10] Mas Figanière também tinha artigos publicados em inglês com regularidade nas principais revistas teosóficas da época, publicadas na Índia e em Londres. Em 1889, quase simultaneamente com a publicação em Londres de “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky, Figanière publicou a primeira obra teosófica em língua portuguesa. Tratava-se de um volume de 744 páginas, intitulado “Estudos Esotéricos – Submundo, Mundo e Supramundo”. Ali Figanière expõe com uma abordagem própria e original as doutrinas teosóficas que vinham sendo divulgadas por H.P. Blavatsky desde 1875, na América do Norte, na Índia, e na Europa. A Editora Três, de São Paulo, publicou em 1973 a primeira parte da obra do teosofista.   
 
Figanière escreveu:
 
“O mundo dos fenômenos é a instabilidade mesma; o que está sempre em via de ser, sem nunca ser, deixando de ser o que foi e o que será, conforme a expressão de Schopenhauer. Sim, falta aí alguma coisa; coisa especialíssima, o ser, o que está sempre, o que desconhece a mudança, sem o qual a matéria não fora realizável no espaço e no tempo; o que tem cem nomes, sem que nenhum lhe seja próprio e exclusivo, a não ser a Palavra Perdida.”
 
E ele prossegue:
 
“A filosofia esotérica traz a ordem das coisas mais ao alcance das nossas luzes, enunciando que os fenômenos vão sujeitos a alternâncias, sendo resultados do envolvimento e da evolução, e acabando pela dissolução; e que a curva dos ciclos sob todos os seus aspectos tem a essência não do círculo, mas da espiral. Segue-se, do primeiro postulado, que a vida cósmica é finita; e do segundo, que há progresso, sendo este infinito.” [11]
 
A importância do Visconde de Figanière para o movimento teosófico em língua portuguesa é grande. O primeiro autor da filosofia esotérica neste idioma foi aluno direto da fundadora do movimento teosófico e, portanto, esteve livre das fantasias da pseudoteosofia ritualista, fabricada mais tarde sob a direção geral de Annie Besant. 
 
6) Farias Brito Ensina o Respeito pela Verdade  
 
Devemos mencionar os poetas Augusto de Lima (1859-1934), Múcio Teixeira (1857-1926), Hermes Fontes (1888-1930), Cruz e Souza (1861-1898), Augusto dos Anjos (1884-1914) e Cecília Meireles (1901-1964), todos eles com poemas em nossos websites associados.   
 
Um dos maiores filósofos brasileiros foi Farias Brito, o pensador cearense que viveu até o início do século 20. Brito enfrentou dificuldades e sofrimentos pessoais desde a juventude até o final da vida. Sempre foi maior que as circunstâncias. No seu livro “A Base Física do Espírito”, ele escreveu: 
 
“Entendo por Filosofia a paixão do conhecimento. É a paixão de que nos fala Aristóteles, no começo de sua Metafísica, quando diz: ‘O homem tem naturalmente a paixão de conhecer’. É o mesmo sentimento de que nos dá ideia Platão, em fórmulas que são por Fouillée traduzidas nestes termos: ‘A filosofia é o amor da verdade, não de tal ou qual verdade particular, mas da verdade universal ou das ideias’. O próprio Platão explica-se em tom veemente: ‘O verdadeiro filósofo só de corpo está presente na cidade em que habita. De espírito, considera como indignos de si todos os objetos sensíveis e afasta-se para incalculáveis distâncias, esforçando-se, na frase de Píndaro, por medir as profundezas do oceano e a imensidade de sua superfície; elevando-se às regiões mais longínquas do espaço para daí contemplar o movimento dos astros trabalhando por penetrar com olhar curioso a natureza íntima de todas as grandes classes de seres de que se compõe o universo, sem descer a olhar o que fica a seu lado. Deste modo, não sabe o que faz seu vizinho, e ignora se é um homem ou um animal o vulto que fica a dois passos. Mas o que é o homem e em que se distingue o homem dos outros seres, eis o que faz o tormento do filósofo e o que continuamente se esforça o filósofo por descobrir’.”
 
E Farias Brito prossegue:
 
“Filosofia é, pois, paixão e amor: paixão pela verdade, amor do conhecimento. É o que se prova, remontando à tradição primitiva dos filósofos, remontando a Platão e Aristóteles. É o que se verifica, com mais segurança ainda, considerando a significação etimológica da palavra. Sabe-se que filosofia vem do grego philos e sophos; e significa assim etimologicamente: amor da ciência. Ora, amor é inclinação; e toda inclinação é sempre a repercussão psíquica de uma necessidade natural; o que prova que amor é necessidade. Sabemos também, que a necessidade é a força primordial na determinação de nossas ações – foi o que já tive de expor em outro trabalho e agora sou forçado a repetir. Um conceito negativo envolve assim uma das mais poderosas forças humanas. E como o amor é a necessidade mais alta, daí resulta que é também o mais nobre aspecto da força e o mais alto poder. (….) Tal é também o amor da ciência – paixão que corresponde à necessidade do conhecimento. (…) O amor é tanto mais nobre e elevado, tanto mais poderoso, quanto mais se mostra o objeto que o inspira, cheio de mistério e grandeza.” [12]
 
7) O Despertar do Século 21 
 
É fácil constatar que desde o século 16 o processo histórico-cultural brasileiro tem tido sempre de enfrentar fortes tendências de pensamento dogmáticas, de um lado, e materialistas, de outro.
 
Até o século 21, o Brasil não teve grandes oportunidades para desenvolver e popularizar filosofias profundas e baseadas no livre pensamento, na metafísica, na ética altruísta e na espiritualidade não dogmática.
 
Paradoxalmente, porém, este mesmo bloqueio histórico faz com que o potencial do país hoje seja enorme.
 
A barragem histórica, feita de pensamentos retrógrados de todo tipo, pode romper-se devido a esta ou aquela rachadura aparentemente pequena. Desde 1500 até hoje, cada gesto de coragem e defesa da ética, cada elemento cultural e espiritual positivo tem o seu valor e deve ser reconhecido, durante o século 21, como um antecedente valioso, e um fator que antecipa, ativamente, o próximo amanhecer. 
 
O “gigante adormecido em berço esplêndido” parece estar finalmente despertando. Um vasto patrimônio humanista, ético, inter-religioso e filosófico – ainda pouco conhecido – começa a ser identificado e resgatado pelos brasileiros que – enquanto abandonam as ilusões dogmáticas – despertam para a livre busca da sabedoria universal.
 
A regeneração de um país ou de um povo é um fato inevitável, sempre que ele resgata em sua vida cotidiana a prática do altruísmo e da liberdade solidária. 
 
NOTAS:
 
[1] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, dois volumes, ver vol. II, p. 339.
 
[2] “A Religião dos Tupinambás”, Alfred Métraux, Cia. Editora Nacional – Editora da USP, 1979, 226 pp., ver p. 40.
 
[3] “Pindorama”, um romance sobre a época do descobrimento, de Xavier Marques, Livraria Clássica Editora, Porto, Portugal, edição de 1907, 297 pp., ver p. 39.
 
[4] Veja o capítulo nove, intitulado “Antônio Vieira, um Profeta da Ética”, no livro “Conversas na Biblioteca”, Carlos Cardoso Aveline, Edifurb, Blumenau, 2007, 170 pp. 
 
[5] “Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens”, Matias Aires, Livraria Martins, São Paulo, 1942, 234 pp., ver pp. 56-59.
 
[6] Manifesto maçônico do Grande Oriente do Brasil, datado de 17 de junho de 1822, assinado por José Bonifácio e redigido por Joaquim Gonçalves Ledo. Em “História do Grande Oriente do Brasil – A Maçonaria na História do Brasil”, José Castellani, publicação do G.O.B., Poder Central, Brasília, DF, 1993, 397 pp. além de Apêndices. Ver p. 88.
 
[7] “José Bonifácio, o Patriarca da Independência”, Venâncio F. Neiva, Irmãos Pongetti Editores, 305 pp., RJ, 1938, ver p. 278. E também “Projetos Para o Brasil”, José Bonifácio de Andrada e Silva, org. Miriam Dolhnikoff, Cia. das Letras, SP, 1998, 371 pp., ver p. 176. Veja também o capítulo 13, intitulado “José Bonifácio, um Patriarca Polêmico” na obra “Conversas na Biblioteca”, Carlos Cardoso Aveline (Edifurb, 2007).
 
[8] “Cadernos de Filosofia”, Diogo Antonio Feijó, Introdução e Notas de Miguel Reale, Editorial Grijalbo Ltda, SP, 1967, 172 pp., ver pp. 154-155.
 
[9] Revista “Portugal Teosófico”, publicação trimestral da Sociedade Teosófica de Adyar em Portugal, outubro a dezembro de 1981, número 4, pp. 8 a 11. 
 
[10] “Submundo, Mundo e Supramundo”, Visconde de Figanière, Ed. Planeta, São Paulo, 1973, 298 pp., p. 93.
 
[11] “Submundo, Mundo e Supramundo”, obra citada, pp. 65-66.
 
[12] “A Base Física do Espírito”, Farias Brito, Edições do Senado Federal, Brasília, 2006, 331 pp., ver pp. 103-105. A última frase do trecho citado constitui a primeira frase do item IV, na página 105.
 
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
 Três_Caminhos_Auxiliar
 
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   
 
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