A Energia da Alma Imortal Nem Sempre Gera
Consequências Imediatas Nos Planos Inferiores
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Maine de Biran (esquerda), Félix Ravaisson e Helena P. Blavatsky
 
 
 
Os ciclos cósmicos estão de algum modo presentes na vida diária. O sono é equivalente a um breve pralaya, uma pausa no universo individual de alguém.
 
A cada noite, quando passamos pelo sono profundo e experimentamos talvez algum outro aspecto daquela experiência mais elevada que ocorre além do reino do nosso eu inferior, somos capazes de transcender (em parte, e por um momento) o círculo de Maya ou Ilusão.
 
No entanto, nem sempre trazemos muita coisa daquela vida para a nossa consciência diária em estado de “vigília”.
 
Tanto o filósofo francês Maine de Biran [1] como Helena P. Blavatsky mostraram que o Carma, ou Ação, se desenvolve em linhas inter-relacionadas mas relativamente independentes uma da outra, em níveis diferentes de realidade, e com variados graus de intensidade.
 
H. P. Blavatsky citou as seguintes palavras de Félix Ravaisson, um dos filósofos franceses que foram influenciados por Maine de Biran:
 
“A real existência, a vida da qual toda outra vida é apenas um reflexo imperfeito, uma pálida representação, é a vida da Alma.”[2]
 
De fato, a vida da nossa Alma espiritual nem sempre gera consequências imediatas nos planos inferiores e mais densos.
 
É necessário tempo para que o aprendiz compreenda o mistério setenário de estar realmente acordado. O progresso é gradual, e mais de uma encarnação é certamente necessária para que a vida possa tornar-se diretamente setenária nas múltiplas camadas da sua consciência.
 
Isto deve ser levado em conta quando vemos limitações e defeitos em outros estudantes de filosofia, ou em nós mesmos. Uma vez que as pessoas sejam sinceras e estejam fazendo um esforço, e enquanto nós mesmos estivermos tentando o melhor, será sábio lembrar que, embora haja uma relação ativa entre as linhas cármicas dos diversos níveis de vida, esta relação é sutil e não imediata. A energia do céu pode exigir um tempo antes de manifestar-se na terra.
 
Robert Crosbie escreveu:
 
“Quando consideramos – como é necessário fazer – que as nossas vidas individuais vêm desde longas eras anteriores e de um passado muito longínquo; e que há um futuro ilimitado pela frente, e que a nossa existência corporal de hoje é apenas um pequeno aspecto de um grande Ser contínuo -, nós nos erguemos então acima do que é temporário, enquanto agimos no temporário; e, vendo melhor as proporções e relatividades corretas, ficamos menos envolvidos ou perturbados com ‘o que pode acontecer’. Isso tem grande valor em si mesmo, porque nos dá a firmeza de um guerreiro na luta. ‘Não esqueça esta lição, o homem espiritual está no mundo para libertar-se de defeitos. Sua vida externa é só para isso, por isso todos parecemos estar em desvantagem’. Olhando para a vida deste ponto de vista, vemos que tudo o que vem até nós constitui uma oportunidade para ‘o ser humano espiritual’ aproveitar; e encontramos em cada acontecimento ‘aquela luta gloriosa, pela qual não buscamos, mas que só os soldados favorecidos pela sorte são capazes de vencer’.”
 
Podem ocorrer – em planos mais elevados de consciência – acontecimentos que não são lembrados em nosso estado de vigília. Mesmo algum iniciado pode não ter consciência cerebral de tais eventos, segundo Crosbie afirma, citando outro autor teosófico:
 
“Vocês lembrarão que W. Q. J.[3] escreveu: ‘Nenhum de nós, e especialmente aqueles que ouviram falar do Caminho, ou do Ocultismo, ou dos Mestres, pode dizer com certeza que não passou ainda por alguma iniciação, com conhecimento disso.  Podemos já ter sido iniciados em algum grau mais elevado que o sugerido pelo nosso estágio atual,  e talvez estejamos passando por alguma nova provação desconhecida por nós. É melhor considerar que isso ocorreu, garantindo, porém, que eliminamos todo e qualquer orgulho por aquele progresso desconhecido que podemos ter feito.’ Todos podemos sentir-nos reconfortados e encorajados por estas palavras, e talvez elas sejam especialmente verdadeiras no  caso daqueles que estão tomados por um entusiasmo em  relação ao trabalho do Mestre”. [4]
 
Embora a ideia de ser algum tipo de ‘iniciado’ seja potencialmente nociva para a maior parte dos estudantes de teosofia, é um fato que há relativamente pouco tempo atrás todos nós tivemos experiências diretas em níveis mais elevados de consciência. O Devachan – a longa e abençoada experiência que ocorre entre duas vidas físicas – é provavelmente o melhor exemplo disso. A sua proximidade cronológica com a nossa atual vida em estado de “vigília” – menos de um século – torna possível compreender a própria substância da vida mais elevada. Além disso, todos experimentamos estados equivalentes ao Devachan durante cada boa noite de sono, e William Q. Judge escreveu:
 
“Em sonhos nós vemos a verdade e experimentamos as alegrias celestiais. Na vida física podemos destilar gradualmente aquele orvalho, e trazê-lo para nossa consciência normal.” [5]
 
Será mais fácil compreender os aspectos profundos da vida se adotarmos o ponto de vista correto diante de um permanente mistério: o que é estar realmente acordado?
 
Alguns indivíduos estão mais despertos para as realidades espirituais enquanto seus corpos físicos dormem. A recíproca é verdadeira: no estágio atual da evolução, para muitos o ato de estar fisicamente acordados significa necessariamente estar espiritualmente adormecidos.
 
Quando não prestamos a devida atenção à vida dentro e fora de nós, a nossa consciência em estado de vigília se torna apenas um sonho ilusório e desorientador. A chamada “vida física” pode ser vivida como uma forma de sonambulismo. Não são poucos os cidadãos que sonham acordados, e que, quando acordam, recuperando finalmente o bom senso, ficam chocados pelo que veem.
 
Cabe perguntar, portanto, até que ponto estamos de fato acordados. Segundo a filosofia esotérica, a verdadeira realidade é mais sutil e muito mais estável que as condições sempre mutáveis, feitas de sonhos, que reinam na vida física.  Acordar é uma função da sabedoria.
 
Ao observar continuamente a nossa relação com o sono, com os sonhos, e com a vida em estado de vigília, consolidamos o nosso progresso na arte de estar Atentos ao longo dos diversos estados de consciência que se sucedem, uma e outra vez, a cada dia de 24 horas.  
 
NOTAS:
 
[1] “Nouveaux Essais D’Anthropologie”, em “Oeuvres de Maine de Biran”, Tome XIV, Introductions par Pierre Tisserand et Henri Gouhier, Presses Universitaires de France, Paris, 1949, 440 pp., ver pp.195-402.
 
[2] “Memory in the Dying”, um artigo de H.P. Blavatsky incluído na coletânea  “Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, volume II, 1981. Veja a p. 378.  Há uma menção prévia a Ravaisson alguns parágrafos acima, no texto de H. P. B.
 
[3] W.Q.J.:  William Q. Judge.
 
[4] “The Friendly Philosopher”, Robert Crosbie, Theosophy Co., Los Angeles, 1945, 415 pp.,  ver p. 149.
 
[5] “Letters That Have Helped Me”, William Q. Judge, Theosophy Co., Los Angeles, 1946, 300 pp., ver p. 37. 
 
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O artigo acima foi publicado pela primeira vez na edição de março de  2013 de “O Teosofista”.
 
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Leia também o texto “O Processo da Osmose Oculta”, de Carlos Cardoso Aveline, que pode ser encontrado em nossos websites associados.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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O grupo SerAtento oferece um estudo regular da teosofia clássica e intercultural ensinada por Helena Blavatsky (foto). 
 
 
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