Pomba Mundo
 
Abrindo Caminho Para Ir Além da Superstição
 
 
Erich Fromm
 
 
A Psicanálise do Ritual Religioso com mold
 
Erich Fromm (23 Março 1900 – 18 Março 1980)
 
 
 
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Nota Editorial:
 
O texto a seguir faz parte do capítulo
intitulado “Representa a Psicanálise uma Ameaça
à Religião?”, na obra “Psicanálise e Religião”, de Erich
Fromm, Ed. Livro Íbero-Americano Ltda., RJ, terceira
edição, 1966, pp. 125-139. Foi publicado pela primeira
vez na edição de setembro de 2010 de “O Teosofista”.
Todas as notas numeradas são do autor.  
 
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Os psicanalistas prestavam sempre atenção especial ao estudo do ritual, porque as suas observações clínicas pareciam prometer uma nova compreensão da natureza das formas ritualistas da religião.
 
Verificaram que alguns tipos de doentes realizam rituais de natureza privada, que nada têm a ver com o pensamento ou a prática religiosa que adotam e, entretanto, se assemelham muito às formas religiosas. A investigação psicanalítica demonstra que o comportamento compulsivo, ritualista, é consequência de intensos afetos inconscientes, que o paciente, sem saber, controla mediante práticas ritualistas.
 
Em um caso de compulsão de limpeza, o psicanalista descobre que o ritual representa uma tentativa para libertar-se de forte sentimento de culpa. Este sentimento de culpa não é causado por alguma coisa que o paciente realmente tenha feito, mas está ligado a impulsos destrutivos inconscientes. No ritual de limpeza, o indivíduo desfaz a destruição planejada inconscientemente, a qual não deve nunca se tornar consciente. O paciente necessita do ritual de limpeza para reduzir o seu sentimento de culpa. Mas, quando se torna consciente da existência do impulso destrutivo, ele é capaz de controlá-lo diretamente, e, pela compreensão das fontes da sua destrutividade, pode mesmo reduzi-la a um grau mínimo tolerável. O ritual compulsivo tem função ambígua: ao mesmo tempo que protege o indivíduo do insuportável sentimento de culpa, tende a perpetuar os impulsos destrutivos, porque lida com eles de modo indireto. 
 
Não é de admirar que os psicanalistas que observaram os rituais religiosos notassem a semelhança entre os rituais compulsivos, de caráter privado, encontrados nos pacientes, e as cerimônias socialmente moldadas, encontradas na religião. Supuseram que os rituais religiosos respeitassem o mesmo mecanismo das compulsões neuróticas. Pesquisaram os impulsos inconscientes, como, por exemplo, o ódio destrutivo contra a figura paterna, representada por Deus, que, ou devia ser expresso diretamente, ou mitigado pelo ritual. Indiscutivelmente, seguindo tal vereda, esses pesquisadores fizeram uma importante descoberta sobre a natureza de muitos rituais religiosos, mesmo que nem sempre tivessem razão nas suas explanações específicas. Preocupados com fenômenos patológicos, não puderam perceber que nem todos os rituais são obrigatoriamente de natureza irracional, como a compulsão neurótica. Assim, não distinguiram os rituais irracionais, baseados na repressão de impulsos irracionais, dos rituais racionais, de natureza completamente diferente. 
 
Necessitamos não apenas de pontos de referência que deem sentido à nossa existência, e que possamos partilhar com os nossos semelhantes; precisamos também exprimir a nossa devoção aos valores dominantes por meio de ações que partilhamos com outros. Um ritual, falando no sentido geral, é uma ação expressiva de anseios comuns, ligados a valores comuns, e realizada coletivamente
 
O ritual racional difere do irracional primariamente por sua função; o primeiro não tem por função afastar impulsos reprimidos, mas exprimir anseios que são reconhecidos como valiosos pelo indivíduo. Consequentemente, não tem a qualidade obsessivo-compulsiva tão característica do ritual irracional; se este não é realizado, o impulso reprimido ameaça manifestar-se; deste modo, qualquer falha na realização do ritual provoca considerável ansiedade. Essas consequências não acompanham os cochilos na realização do ritual racional; pode haver desgosto, mas nunca aparece medo. De fato, podemos reconhecer o ritual irracional pelo grau de medo produzido por qualquer violação ao mesmo. 
 
Exemplos simples de rituais contemporâneos de caráter secular, racional, são os nossos hábitos de saudar os semelhantes, de aplaudir um artista, de mostrar reverência aos mortos, etc. [1] 
 
Os rituais religiosos não são sempre irracionais. (Para o observador que não compreende o seu sentido, eles parecem, naturalmente, irracionais.) Um ritual religioso de limpeza pode ser compreendido como expressão racional de limpeza interior, espiritual, sem qualquer componente obsessivo ou irracional; representa antes uma expressão simbólica do nosso anseio de pureza, realizado ritualisticamente, como preparação para uma atividade que requer completa concentração e devoção. Do mesmo modo, rituais como jejum, cerimônias de casamento religiosos, práticas de concentração e meditação, podem ser atividades completamente racionais que não necessitam de maior análise, a não ser que se deseje compreender o seu significado intencional. Do mesmo modo que a linguagem simbólica encontrada nos sonhos e nos mitos constitui uma forma particular de expressão de pensamentos e sentimentos por meio de imagens da experiência sensorial, o ritual é uma expressão simbólica de pensamentos e sentimentos por meio de ação
 
A contribuição que a psicanálise pode trazer à compreensão dos rituais consiste em mostrar as raízes psicológicas da necessidade de ação ritualística, e em distinguir os rituais compulsivos e irracionais daqueles que exprimem devoção comum aos mesmos ideais. 
 
Qual a situação atual em relação ao aspecto ritualístico das religiões? O religioso praticante toma parte nos vários rituais da sua igreja, e, indubitavelmente, este fato constitui uma das razões mais significativas da sua ida à  igreja. Devido ao fato de que existe muito pouca oportunidade para o homem moderno participar em conjunto de ações de devoção, qualquer forma de ritual exerce tremenda atração, mesmo que alienada dos sentimentos e anseios mais significativos da nossa vida diária. 
 
A necessidade de rituais comuns é bem compreendida pelos líderes de sistemas políticos autoritários. Eles oferecem novas formas de cerimônias politicamente coloridas, que satisfazem a essa necessidade humana e prendem o homem da massa ao novo credo político. O homem moderno, das culturas democráticas, não tem muitas oportunidades de participar de rituais significativos. Não  é de surpreender, portanto, que a necessidade de práticas ritualísticas haja tomado as mais diversas formas.  Os rituais complexos das lojas maçônicas, os rituais em conexão com demonstrações patrióticas, os rituais que exprimem polidez e muitos outros são expressões dessa necessidade de ações em comum. Entretanto, frequentemente esses rituais perderam o conteúdo emocional que lhes era inerente, e separaram-se daqueles ideais oficialmente reconhecidos pela religião e pela ética.
 
O encanto das fraternidades, dos agrupamentos sociais, do mesmo modo que a preocupação com a polidez expressa nos livros de etiqueta, provam não apenas que os rituais são uma necessidade como mostra também a vacuidade dos rituais que o homem moderno realiza. 
 
A importância dos rituais tem sido muito desvalorizada. Restam-nos aparentemente as alternativas de aderirmos a uma seita religiosa, tomarmos parte em práticas ritualistas sem qualquer sentido, ou viver sem qualquer satisfação dessa necessidade. Se os rituais pudessem ser facilmente inventados, seria de esperar que novas práticas ritualistas, de sentido humanista, tivessem sido criadas. Iniciativa desta natureza foi feita pelos representantes do racionalismo no século dezoito.  Igual tentativa foi feita pelos quakers, que procuraram criar cerimônias racionais de sentido humanista, e por outras pequenas congregações humanistas. Mas os rituais não podem ser fabricados artificialmente; eles dependem da existência de valores comuns autênticos, e só podemos esperar o aparecimento de rituais racionais, verdadeiramente significativos, quando aqueles valores se tornarem uma realidade do sentimento humano. 
 
Ao discutir o significado dos rituais, já mencionamos o quarto aspecto da religião – o semântico. A religião, tanto nos seus ensinamentos como através dos seus rituais, fala uma língua diferente da que usamos na vida diária, isto é, fala uma linguagem simbólica. A essência da linguagem simbólica é que experiências íntimas, de pensamentos e sentimentos, são expressas como experiências sensoriais. Todos nós “falamos” simbolicamente quando estamos adormecidos.
 
A linguagem dos sonhos não difere da linguagem dos mitos e da linguagem do pensamento religioso. A linguagem simbólica é o único meio de expressão universal que a raça humana conhece. É a linguagem usada nos mitos há mais de cinco mil anos, e nos sonhos dos nossos contemporâneos. Apresenta-se idêntica na Índia e na China, em Nova Iorque e Paris.[2] Nas sociedades em que a preocupação principal era compreender experiências interiores, essa linguagem não apenas era falada, mas também entendida. Na nossa cultura, embora a usemos ainda nos sonhos, a linguagem simbólica é raramente compreendida. A confusão consiste principalmente em tomar os conteúdos da linguagem simbólica por fatos reais, no terreno das coisas, em vez de considerá-los como recursos expressivos das experiências espirituais. Na base desta confusão, os sonhos foram considerados como produções absurdas da nossa imaginação, e os mitos religiosos, conceitos infantis da realidade. 
 
Sigmund Freud tornou a linguagem simbólica acessível a nós. Graças aos seus esforços para compreender os sonhos, ele lançou as bases para a compreensão das peculiaridades da linguagem simbólica e mostrou-nos sua estrutura e significado. Simultaneamente, demonstrou Freud que a linguagem dos mitos religiosos não é essencialmente diferente da dos sonhos, pois uns e outros exprimem, com rara felicidade, experiências significativas. Se é bem verdade que a interpretação que deu aos sonhos e mitos está prejudicada pela supervalorização do instinto sexual, entretanto, com o seu método interpretativo, ele permitiu uma nova compreensão dos símbolos religiosos existentes no mito, no dogma e no ritual. Esta interpretação dos símbolos não conduz a uma volta à religião, mas confere nova apreciação da profunda e significativa sabedoria expressa pela religião, através da linguagem simbólica. 
 
As considerações anteriores mostram que a resposta, quando se procura saber o que constitui a ameaça atual à religião, depende do aspecto religioso específico que estamos considerando no momento. (……..) O problema da religião não é  o problema de Deus, e sim o problema do homem; as formulações e os símbolos religiosos são tentativas de exprimir certos tipos de experiência humana. O que importa é a natureza dessas experiências. O sistema simbólico apenas nos permite tirar conclusões sobre a realidade humana subjacente. Infelizmente, a discussão em torno da religião, desde a Renascença, tem-se preocupado principalmente com a afirmação, ou negação, da crença em Deus, em vez de cogitar da afirmação ou negação de certas atitudes humanas. A pergunta “Você acredita na existência de deus?” tem se tornado o aspecto crucial defendido pelos adeptos das religiões, e a negação de Deus tem constituído a posição tomada por aqueles que lutam contra a Igreja. É fácil, entretanto, ver que muitos dos que professam a crença em Deus são, no plano das atitudes humanas, na realidade idólatras, ou homens sem fé, enquanto que alguns dos mais ardentes “ateístas” devotam suas vidas ao bem-estar humano, a atos de amor e fraternidade, exibindo fé e uma atitude profundamente religiosa. Colocar a discussão religiosa em termos de aceitação ou negação do símbolo Deus impede a compreensão do problema religioso como problema eminentemente humano, e coíbe o desenvolvimento daquela atitude que pode ser chamada religiosa, no sentido humanista. 
 
Muitas tentativas têm sido feitas para conservar o símbolo Deus, conferindo-lhe um significado diferente do que tem na tradição monoteísta. Um exemplo dessa tendência nós encontramos na teologia de Spinoza. Usando estritamente linguagem teológica, ele apresenta uma definição de Deus que equivale a afirmar a não-existência de Deus no sentido da tradição judaico-cristã. Spinoza estava ainda tão próximo da atmosfera espiritual, em que o símbolo Deus parecia indispensável, que não pôde perceber estar implícita na sua nova definição uma negação da existência de Deus. 
 
Muitos teólogos e filósofos do século dezenove,  e mesmo da atualidade, tentam conservar a palavra Deus, emprestando-lhe, entretanto, um conteúdo fundamentalmente diferente do que lhe davam os profetas da Bíblia, ou os teólogos cristãos e judeus da Idade Média. Não há necessidade de abrir luta com aqueles que mantêm o símbolo Deus, embora se trate, muito provavelmente, de uma tentativa forçada para manter um símbolo de valor essencialmente histórico. Seja como for, uma coisa é certa: o conflito realmente relevante não é o que cogita da oposição entre crença em Deus e ateísmo, mas sim entre atitude religiosa humanista e uma outra atitude equivalente à idolatria, independentemente do modo como se exprime essa atitude, ou se oculta, no pensamento consciente. 
 
Mesmo do ponto de vista estritamente monoteísta, o uso da palavra Deus constitui um problema. A Bíblia insiste em que o homem não deve construir imagens de Deus. Indubitavelmente, um aspecto deste preceito tem o sentido de um tabu guardião do respeito temeroso a Deus. Outro aspecto, entretanto, equivale à ideia de que Deus é símbolo de tudo o que existe no homem e daquilo que ele não é; um símbolo de realidade espiritual, que podemos procurar objetivar em nós mesmos, sem entretanto podermos descrever nem definir. Deus é como o horizonte, que põe um limite à nossa vista. Para a mentalidade ingênua, parece tratar-se de alguma coisa real, que pode ser segurada; entretanto, procurar o horizonte equivale a correr atrás de uma miragem. Quando nos movemos, o horizonte se move; se subimos num monte, ele se torna mais amplo, mas ainda assim permanece como uma limitação, e jamais se torna algo palpável. A ideia de que Deus não pode ser definido está claramente expressa na passagem bíblica da revelação a Moisés. Encarregado de falar aos filhos de Israel e conduzi-los da escravidão à liberdade, conhecedor entretanto do espírito de servidão e idolatria em que viviam os judeus, Moisés disse a Deus: “Eis que quando vier aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me disseram: Qual é o seu nome? Que lhes direi? E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós.” [3] 
 
A significação dessas palavras torna-se mais clara se prestarmos atenção cuidadosa ao texto hebraico. “Eu sou o que sou” (ehje asher ehje) poderia ser traduzido, mais corretamente, no pretérito contínuo usado no original, isto é: “Estou sendo quem estou sendo.” Moisés pede a Deus por um nome, porque um nome é algo objetivo, que pode ser adorado. Através de toda a história do êxodo, Deus mostrou tolerância para com a mentalidade idólatra do povo de Israel; e assim Ele concorda em dizer o próprio nome a Moisés. Mas existe uma profunda ironia neste nome, que exprime o processo de ser, e não qualquer coisa finita, capaz de ser batizada. O sentido do texto seria mais exato se traduzíssemos pela fórmula: “Meu nome é SEM-NOME.” 
 
No desenvolvimento da teologia cristã e judaica, encontramos tentativas repetidas para obter um conceito mais puro de Deus, pelo afastamento de traços de descrição positiva, ou de definição de Deus (Plotino, Maimônides). Conforme diz o grande místico alemão Mestre Eckhart:
 
“O que dizem ser Deus, não é; o que não dizem ser Ele, isto Ele é, mais do que se diz que Ele seja.” [4] 
 
Do ponto de vista do monoteísmo, levado até as suas consequências lógicas, não pode existir discussão sobre a natureza de Deus. Homem algum pode orgulhar-se de ter qualquer conhecimento de Deus, capaz de permitir-lhe criticar ou condenar o seu semelhante, ou declarar que a sua ideia é a única exata.
 
A intolerância religiosa, tão característica das religiões ocidentais, originada dessas contendas, e que, psicologicamente falando, deriva de falta de fé e de amor, tem tido um efeito devastador no desenvolvimento religioso. Tem conduzido a uma nova forma de idolatria, a uma imagem de Deus que não é plasmada em madeira ou pedra, mas em palavras. Isaías criticou essa distorção do monoteísmo, nas seguintes palavras: “Dizem: Porque jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos as nossas almas, e tu não o sabes? Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que para contendas e debates jejuais, e para dardes socos impiamente; jejuando assim como hoje, não se fará ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que eu escolhi: que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto de jejum e de um dia aprazível ao Senhor? Porventura, não é este o jejum que escolhi: Que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras de todo jugo? E que deixes livres os quebrantados, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados? E, vendo o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura brotará sem demora, e a tua justiça surgirá diante de ti, e a glória do senhor será a tua retaguarda.” [5] 
 
O Velho Testamento, e particularmente os profetas, estão tão preocupados com a negativa – a luta contra a idolatria – quanto com o lado positivo, isto é, o reconhecimento de Deus. Estaremos nós ainda preocupados com o problema da idolatria?  Só reconhecemos a preocupação quando descobrimos que alguns “primitivos” adoram deuses de madeira e de pedra. Consideramo-nos em plano superior a tais cultos, como se tivéssemos resolvido o problema da idolatria porque não adoramos mais esses símbolos tradicionais.
 
Esquecemos que a essência da idolatria não é o culto deste ou daquele ídolo particular, mas uma atitude especificamente humana. Essa atitude pode ser descrita como uma deificação das coisas, de aspectos parciais do mundo, e a submissão do homem a essas coisas, contrastando com a atitude em que ele dedica a sua vida à realização dos mais altos princípios da vida – os do amor e da razão -, e ao objetivo de concretizar as suas potencialidades e de tornar-se um ser feito à semelhança de Deus. Não são apenas as representações em pedra e madeira que constituem  ídolos. Palavras também podem se tornar ídolos, e máquinas também. Líderes, o Estado, o poder e grupos sociais são frequentemente transformados em ídolos. Até mesmo a ciência e a opinião do próximo prestam-se à idolatria, e o próprio Deus tornou-se um ídolo para muitos. 
 
Embora não seja possível fazer declarações válidas sobre o aspecto positivo de Deus, já podemos definir o aspecto negativo, ou sejam, os ídolos. Não será tempo de parar a discussão a respeito de Deus, e procurar unir os esforços no sentido de desmascarar as formas contemporâneas de idolatria? Atualmente não se adora mais a Baal e Astarte, mas deifica-se o Estado e o poder nos países autoritários, e a máquina e o sucesso na nossa própria cultura – ídolos esses que ameaçam as mais preciosas possessões espirituais do homem. Podemos ser ou não adeptos de uma crença religiosa, admitir a necessidade de uma nova religião, ou, ao contrário, lutar por uma religião a-religiosa, ou ainda pela continuação da tradição judaico-cristã.
 
Na medida em que estivermos preocupados com a essência e não o invólucro, a experiência e não a palavra, o ser humano e não a igreja, podemos nos tornar solidários na negação convicta da idolatria, e encontrar talvez mais fé comum nessa negativa, do que em qualquer declaração afirmativa a respeito de Deus.
 
Certamente encontraremos mais humildade, e mais amor fraternal. 
 
NOTAS: 
 
[1] Essas práticas ritualistas simples não são necessariamente tão racionais como poderia parecer. Nos rituais ligados à morte, por exemplo, pode existir um contingente maior ou menor de elementos irracionais reprimidos motivando o ritual, como seja compensação da hostilidade inconsciente contra o morto, reação contra intenso medo da morte, e tentativas mágicas para proteger-se contra tal perigo. 
 
[2] A verdade dessa declaração foi magistralmente demonstrada por Joseph Campbell no seu notável livro “O Herói de Mil Faces”, Ed. Cultrix/Pensamento (“The Hero with a Thousand Faces”, Bollingen Foundation Inc., 1949).
 
[3] Êxodo, 3:13-14. 
 
[4] Fr. Pfeiffer, Meister Eckhart, 1857. 
 
[5] Isaías, 58:3-8. 
 
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