Hermes Fontes
Uma invisível mão tomou de humilde seixo
e, polindo-o, apurando-o, iluminando-o todo,
inseriu-lhe, à feição de núcleo interno, ou de eixo,
um raiozinho de alma a eximi-lo do lodo.
E, para vegetar, o seixo, iluminado
por esse átomo de alma, – a um milagre feliz –
foi caroço, e imergiu nos terrenos de um prado,
afim de, sob o solo, alongar-se em raiz.
Pôr sob a terra, a um Ser – é condená-lo à morte;
mas, a um grão – é, talvez, encaminhá-lo à vida…
O caroço, dest’arte, animizado e forte,
germinou, irrompeu, fez-se árvore florida.
E a árvore produziu, multiplicou-se aos centos…
Foi floresta – foi sombra, agasalho, mansão.
Deu aos pássaros – ninho, afagos e alimentos,
que raros seios têm e raros leitos dão…
E vive. E morre. Inspira e transpira. Ama e luta.
Se se locomovesse a além do seu canteiro,
seria uma existência anímica absoluta,
seria um animal completo e verdadeiro.
Vive e morre. Ama e odeia. Às vezes, reflexiona.
E braceja e agoniza, ao vento e à luz solar!…
– Síntese vegetal da Flora e de Pomona,
– Livro em que a Terra ensina os corações a amar…
Folhas, folhas ao sol, douradas e orvalhadas,
brilham tanto, que, só de sob os olhos tê-las,
árvores, são lampiões das sombrias estradas,
são árvores de sóis, são árvores de estrelas…
À distância, de tão arredondadas, cheias
de lianas e florões, a oscilar, a oscilar,
são aeróstatos quase a romper as cadeias,
prontos para partir às aventuras do ar…
À luz do pôr do sol, – longes silhuetas, – elas
são naves a boiar no horizonte ermo e baço…
– Desarvoradas naus, desorientadas velas,
navegando no tempo e encalhadas no espaço.
Uma folha é um banquete, é uma mesa ampla e farta
posta à abelha, à formiga, ao inseto, em geral.
É concha, onde se asila a mísera lagarta,
alcova, onde se mira a cigarra estival.
A terra já foi mar; é um mar petrificado,
comburido de sol, congelado de frio.
E, consoante esse mar, que existiu no Passado,
– no mar verde da Flora – uma árvore é um navio…
Uma árvore é um navio… As folhas são bandeiras
verdes e naturais; as trepadeiras são
cordas de pavilhões, cordas alvissareiras…
Por âncora – a raiz jaz debaixo do chão…
Árvore! ao nosso ouvido é intimamente grato
ouvir os madrigais dos teus ninhos hirsutos.
Teus perfumes nos dão delícias ao olfato,
gostos ao paladar – teus deliciosos frutos.
E não és só o espinho, a flor, a folha, o galho:
quem penetra à raiz o segredo interior,
louva em ti a Modéstia, ama em ti o Trabalho!
És a Dedicação, o Sacrifício, o Amor…
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O poema acima é reproduzido do livro “Gênese”, de Hermes Fontes (1888-1930), Typographia W. Martins & C., Rio, 1913, 261 pp., ver pp. 35-37. Foi publicado também na edição de junho de 2013 de “O Teosofista”.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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