Chegou a Hora de Renunciar à Adoração
De Falsos Retratos e de Mestres Imaginários
Carlos Cardoso Aveline
Os Chefes Externos da Escola Esotérica de Adyar desde 1934: C. Jinarajadasa,
N. Sri Ram, I.K. Taimni, e Radha Burnier. Todos eles são exemplos de teosofistas
dedicados que fizeram o melhor que podiam, mas novos passos devem ser dados no século atual.
“No segundo semestre de 2013,
quando já se aproximava conscientemente
da morte física, Radha Burnier decidiu que não
nomearia ninguém como seu sucessor na posição
de Chefe Externo da escola esotérica, e não o fez. (…)
O fato constitui mais uma evidência da honestidade
de Radha Burnier como teosofista. (…) Foi um modo
silencioso e parcial, mas eficaz, de admitir que a
escola esotérica de Annie Besant é uma fraude…”
Alguns membros da Sociedade Teosófica de Adyar pensam que as ilusões fabricadas no período entre 1900 e 1934 são saudáveis e boas para o movimento teosófico e devem, portanto, ser preservadas como se estivessem acima de qualquer crítica. [1]
Outros membros, no entanto, percebem as implicações do fato de que toda a base “esotérica” da Sociedade de Adyar, frágil desde 2007-2008, tem como alicerce a falsa clarividência do “bispo” Leadbeater e de Annie Besant. A importância desta fraude para o movimento teosófico como um todo fica clara quando levamos em conta que a ST de Adyar reúne algo entre 85 e 90 por cento do movimento teosófico em todo o mundo. Isso equivale a nove em cada dez teosofistas.
As agora cambaleantes estruturas ritualísticas falsificadas entre 1900 e 1934 incluem o Rito Egípcio, a Co-Maçonaria, a Igreja Católica Liberal e a forma besantiana de Escola Esotérica.
Cerimônias “Egípcias” do Mundo da Fantasia
O Rito Egípcio (RE) pretende ser um corpo completamente oculto, isto é, uma organização esotérica cuja própria existência é ignorada por todos, com exceção dos seus próprios membros. Este fato faz um contraste profundo com a existência da Escola Esotérica de Teosofia (EET), que foi desde o início anunciada de público por H. P. Blavatsky e discutida em sua obra “A Chave da Teosofia”.
O RE deriva o seu nome do Rito Egípcio criado por Alessandro Cagliostro em Lyon, na França, durante o século 18. Seu conteúdo, porém, nada tem a ver com a Maçonaria de Cagliostro, que ensinava ética e uma verdadeira sabedoria. Com seus rituais dedicados ao “Rei do Mundo”, personagem fabricado por Annie Besant e seus assessores, o RE está secretamente situado acima do terceiro e mais elevado grau do grupo de juramentados da Escola Esotérica de Adyar.
Este ritual existe em certo número de seções nacionais da ST de Adyar, em países como Estados Unidos, Austrália, Índia, Holanda e Brasil. Um dos lemas do RE e das suas cerimônias secretas é “Omnia Vincit Amor”, ou “o Amor Tudo Vence”. A frase pertence a Virgílio (Ecloga X, 69). Infelizmente, os líderes do RE ainda não compreenderam que o verdadeiro Amor é inseparável da Verdade. O sentimentalismo devocional destituído de bom senso, que não tem como base o discernimento e a sinceridade, só pode levar à confusão e ao sofrimento. O RE tem funcionado como um instrumento político cego, usado inconscientemente para perpetuar um controle de cima para baixo, “absoluto” e no estilo papal, do movimento de Adyar.
Retratos Falsos e Mestres Imaginários
A Escola Esotérica fica mais abaixo na escala hierárquica da Sociedade de Adyar. Os textos escritos por H.P. Blavatsky especialmente para a Escola que ela fundou não são estudados, com uma ou duas exceções. Os textos pseudoteosóficos são considerados mais importantes, e são eles que constam das listas de estudo seguidas pelos membros dos vários níveis.
A escola é dividida em dois grupos principais, o de membros Candidatos e o de membros Juramentados. Cada grupo tem três graus ou níveis de estudo. Há, portanto, seis graus na escola, e o ER é o “sétimo grau invisível”, o grau “oculto” que “sabe tudo”. Só são convidados para ele alguns poucos entre os que estão no terceiro grau de Juramentados.
Nas reuniões semanais da escola, milhares de estudantes honestos e sinceros de todo o mundo se reúnem para solenemente estudar alguns parágrafos diante dos retratos de sete Mestres. Nos grupos menores ou criados mais recentemente, há apenas dois retratos.
Cinco dos sete retratos são falsos. No começo e no final de cada reunião, os membros da escola inclinam-se para fazer reverência aos falsos retratos dos seguintes personagens: (1) o “Manu”; (2) o “Maha-Chohan”; (3) o “Mestre St-Germain”; (4) o “Cristo-Maitreya”; e (5) o chamado “Mestre Jesus”.
Nas primeiras décadas do século 20, Annie Besant e os seus colegas costumavam ter conversas imaginárias com personagens de ficção aos quais atribuíam estes nomes. Grandes sábios usaram em algum momento do passado os nomes que hoje são objeto deste abuso por parte da pseudoteosofia.
C. Jinarajadasa, que sucedeu a Besant e Leadbeater na direção da escola, começou a abandonar as fantasias da pseudoclarividência durante a década de 1930. CJ deu mais passos do que se conhece amplamente, na direção da retomada do bom senso.
Em 1953, com a morte de C. Jinarajadasa, o Sr. N. Sri Ram assumiu a liderança da escola esotérica e a velha prática de “canalizações” imaginárias foi abandonada completamente. No entanto, N. Sri Ram não teve a coragem política – ou não conseguiu as condições políticas necessárias – para tirar os retratos falsos das salas da escola esotérica, e estas fraudes piedosas da “era clarividente” resistiram até o final da sua vida, em 1973. A seguir, o Sr. I. K. Taimni dirigiu a escola durante cerca de cinco anos, tentando revigorá-la com os seus próprios textos sobre hinduísmo. Embora tenha dado pequenos passos no sentido de um maior afastamento da pseudoteosofia, o Dr. Taimni não deu o devido valor aos ensinamentos originais e manteve os falsos retratos nas salas de reunião da escola.
Em 1978, a Sra. Radha Burnier (1923-2013) tornou-se Chefe Externa da escola. Apesar de ter sido uma seguidora de Jiddu Krishnamurti, cujo discurso é antiautoritário e contrário a rituais, Radha manteve o uso de falsos retratos e a adoração oficial de falsos mestres. Até a sua morte em 31 de outubro de 2013, as piedosas falsificações continuavam lado a lado com os retratos dos dois verdadeiros Mahatmas que realmente inspiraram a criação do movimento teosófico em 1875. Um destes retratos foi também objeto de uma adulteração parcial sob as ordens do falso clarividente que se apresentava como sacerdote cristão. Por algum motivo, o retrato do Mestre de Helena Blavatsky parece ter sido poupado das fraudes.
A honestidade, a ética e a boa vontade dos líderes da escola esotérica de Adyar desde 1934 não deve ser questionada com rigor excessivo. A Compaixão não se contrapõe à Justiça. De uma ou de outra maneira, estes líderes promoveram uma transição e prepararam o movimento para a sua próxima fase.
Sob a influência deles, a Sociedade de Adyar publicou várias obras clássicas de teosofia. Entre elas estão os 15 volumes dos “Collected Writings” (escritos curtos reunidos) de Helena Blavatsky, as “Cartas dos Mahatmas”, uma edição correta de “A Doutrina Secreta” (preparada por Boris de Zirkoff e ainda não disponível em português), o volume “Damodar and the Pioneers of the Theosophical Movement”, de Sven Eek, e outros volumes de literatura autêntica. O abandono em inglês da edição ilegítima de “A Doutrina Secreta”, adulterada por Annie Besant, foi um dos maiores progressos feitos nestas décadas de transição. Em português, foi começada a tradução da edição autêntica da obra, e as suas primeiras páginas estão disponíveis em nossos websites associados.
A limitação destes líderes em relação à escola esotérica consiste em parte na interpretação convencional da frase de Virgílio, “Omnia Vincit Amor”. O amor pela Sociedade de Adyar como corporação e a lealdade deles por seus próprios predecessores, pode ter sido maior que o amor pela verdade impessoal. A gratidão a pessoas substituiu a lealdade para com a verdade. O favor pessoal substituiu a busca da sabedoria. Eles fizeram o que pensaram que era o melhor a fazer, e isso é bom. Foram vítimas de uma astuciosa armadilha da sucessão criada no período 1900-1934. Sofreram a influência magnética de uma fraude ritualística que eles não criaram. Esta fase intermediária da História foi concluída em 2013.
A Sra. Radha Burnier foi uma mulher admirável, de grande idealismo e integridade pessoal, como puderam perceber todos os que a conheceram suficientemente bem. Ela deu alguns passos na direção correta e depois dela é dever de todos olhar ainda mais à frente. À medida que o tempo passa, mais membros da escola podem examinar honestamente a seguinte questão: será que manter nas salas da escola esotérica cinco retratos falsos de Mestres imaginários ao lado de dois retratos de verdadeiros Mahatmas (um destes retratos também adulterado em parte) não constitui uma grave falta de respeito para com os verdadeiros Mestres?
Misturar mentiras e verdades é uma ação ilegítima. E o pai de Radha Burnier, N. Sri Ram, reconheceu em 1971:
“Suponha que há um elixir maravilhoso em uma garrafa, mas há misturado com ele alguma substância alheia que não tem as mesmas propriedades do elixir em si. Neste caso ele não será absolutamente puro; o seu efeito estará sendo afetado pela adulteração.”[2]
Embora Sri Ram tenha sido incapaz de resolver o problema, ele tinha uma noção clara do significado da palavra “adulteração”. Por outro lado, a verdade é que nem sequer retratos autênticos de mestres poderiam substituir o amor pela verdade. Este, sim, é uma condição indispensável para o discipulado leigo. Helena Blavatsky disse já em abril de 1890 que o espírito dos Mestres já estava muito longe do santuário “esotérico” do quartel-general de Adyar, na Índia. Em carta aberta dirigida aos teosofistas indianos, a fundadora do movimento teosófico escreveu:
“… E tampouco posso, se eu quiser ser fiel ao meu compromisso e aos meus votos de vida toda, viver agora no quartel-general (de Adyar), do qual os Mestres e o espírito Deles foram virtualmente banidos. A presença dos retratos Deles não ajudará; eles são letra-morta.” [3]
Desde então as coisas não melhoraram.
Pode ser necessário um tempo maior ou menor para que a Sociedade de Adyar se liberte, finalmente, das ilusões fabricadas no período que vai de 1900 a 1934 e recupere o bom senso. Está claro que o despertar gradual começado na década de 1930 passa por uma aceleração.
A própria HPB indicou aos seus estudantes futuros a principal chave para a libertação da Sociedade de Adyar da nuvem de fraudes pseudoesotéricas.
Ela anunciou:
“Nunca houve uma Sociedade Oculta, por mais aberta e sincera que fosse, que deixasse de sentir a pesada mão dos Jesuítas tentando derrubá-la por todos os meios secretos. (…..) Mas todos os esforços, inclusive os mais astuciosos, estão condenados a desaparecer no dia em que forem descobertos.” [4]
A primeira metade do século atual é uma ocasião correta para abandonar a prática da adoração de retratos falsos e de Mestres imaginários.
Radha Burnier Encerra a Linha Sucessória da Escola
No segundo semestre de 2013, quando já se aproximava conscientemente da morte física, Radha Burnier decidiu que não nomearia ninguém como seu sucessor na posição de Chefe Externo da escola esotérica, e não o fez.
Na medida em que a suposta legitimidade da escola fabricada por Annie Besant desde a morte de H. P. Blavatsky dependia das nomeações que cada Chefe Externo fazia do seu sucessor, Radha Burnier deu com esta decisão um novo e importante passo na direção de libertar o movimento teosófico da fraude.
O fato constitui mais uma evidência da honestidade de Radha Burnier como teosofista. Embora Radha não tenha conseguido reunir enquanto viveu as forças ou as condições políticas necessárias para fechar oficialmente a falsa escola, ela claramente tirou deste modo toda “legitimidade” da escola a partir do momento da sua morte.
Foi um modo silencioso e parcial, mas eficaz, de admitir que a escola esotérica de Annie Besant é uma fraude, e que o caminho da verdade que aguarda por Adyar só pode ser percorrido fechando-a.
Em janeiro de 2014, “The Aquarian Theosophist” confirmou junto a fontes próximas dos dirigentes de Adyar a informação de que Radha Burnier tampouco nomeou qualquer sucessor para a direção do Rito Egípcio. O R.E. está, pois, igualmente num limbo e perdeu grande parte da sua capacidade de iludir com mentiras piedosas os estudantes honestos que buscam a verdade.
A situação constitui um convite para a renovação ética do movimento esotérico e para a troca de velhos rituais decadentes pela busca viva da verdade.
NOTAS:
[1] Alguns líderes influentes da Sociedade de Adyar pensam que é injusto chamar de “fraude” as ilusões esotéricas da Sociedade de Adyar. Argumentam que a palavra “fraude” implica uma falsidade intencional, e que tais falsidades foram criadas com intenções nobres, por líderes autoiludidos. Esquecem um fato básico. Sejam quais fossem as intenções iniciais com que foram produzidas tais ilusões, e mesmo que elas tivessem sido honestas (o que está sujeito a discussão), uma coisa é certa. Uma vez que as ilusões passam a ser conhecidas e reconhecidas como tais, esconder informação sobre sua falsidade e protegê-las, enganando o público, é uma ação que constitui fraude. Mesmo que esta política seja desenvolvida com intenções piedosas como proteger ilusões reverenciadas e preservar mentiras espirituais que inspiram sentimentos de sincera devoção, o fato continua sendo um desrespeito consciente em relação ao público e às normas da sinceridade básica. O processo de longo prazo de fraude piedosa deve cessar o mais cedo possível no movimento teosófico. Não há necessidade de esperar até o ano de 2075 para que isso ocorra.
[2] N. Sri Ram, no artigo “Receptivity to Truth”, publicado em “The Theosophist”, Março de 1971, pp. 351-359, ver p. 355.
[3] H. P. Blavatsky, em sua carta aberta “Por Que Não Volto à Índia”, que está disponível em nossos websites associados. Este documento extraordinário está dirigido a todos os teosofistas da Índia e também pode ser visto em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, pp. 106-114 (ver especialmente p. 112). Ela consta dos “Collected Writings” de H. P. B., TPH, Adyar, volume XII, pp. 156-167 (veja especialmente p. 164).
[4] “The Collected Writings” de H. P. Blavatsky, TPH, volume XIV, p. 267. As palavras dela também são citadas na p. 73 de “The Right Angle”, uma compilação de 84 pp. com frases e parágrafos de HPB sobre Maçonaria, preparada por Geoffrey Farthing e publicada em 2003 pela TPH de Londres.
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A primeira versão do texto acima foi publicada na edição de junho de 2012 da publicação “The Aquarian Theosophist”, sob o título de “An Awakening in the Adyar Society”. Mais tarde o artigo foi publicado como texto independente sob o título de “The Fraud in Adyar Esoteric School”. Os seus parágrafos finais foram acrescentados em janeiro de 2014.
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A respeito do abandono da teosofia autêntica por parte da Sociedade de Adyar, que começou em vida de Helena Blavatsky, veja a carta aberta de HPB intitulada “Por Que Não Volto à Índia”. O texto foi escrito em 1890 e está disponível em nossos websites associados.
Veja também os artigos “Reexaminando o Dia de Lótus Branco” e “A Lua Cheia de Maio”.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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