Filme “Ágora” Retrata a Vida da Grande Teosofista
 
 
Joaquim Duarte Soares
 
 
A Coragem de Hipátia de Alexandria com mold

 
Rachel Weisz faz o papel de Hipátia no filme “Ágora”
 
 
 
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Nota Editorial:
 
Sucesso no festival de Cannes de 2009,
mas barrado por algum motivo no circuito
comercial  das salas de cinema brasileiras, o
filme “Ágora”, de que fala o texto a seguir,
pode  ser obtido gratuitamente na Internet.
 
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Ao longo da história da humanidade há marcos luminosos testemunhando vidas de dedicado sacrifício para que a marcha humana prossiga no rumo correto, alcançando  novos patamares evolutivos.
 
Essa corrente de luz é feita pela vida e a obra de místicos e teosofistas que se elevaram acima da mesquinhez e da ignorância reinante. Com o seu exemplo, iluminaram um pouco mais a vida dos seus semelhantes. [1]
 
Quase sempre incompreendidos em seu tempo, movidos pela compaixão e por uma vontade indômita de alcançar a sabedoria, muitos pagaram com a própria vida a ousadia de verem mais longe.
 
A maioria desses servidores é quase desconhecida da humanidade. Por isso, é algo a celebrar quando é dado a conhecer ao grande público episódios da vida de um deles.
 
É o caso de um extraordinário filme que passou pelas salas de cinema de vários países. Trata-se da obra de cinema “Ágora”, do cineasta espanhol Alejandro Amenábar. A obra relata os últimos dias da grande filósofa, matemática, astrônoma e teosofista Hipátia de Alexandria, que durante o século V lutou contra o sectarismo e fanatismo religioso.
 
Considerada como a última dos grandes Neoplatônicos, Hipátia marcou o culminar da linhagem de elevados teosofistas ecléticos da famosa Escola de Alexandria, onde brilharam nomes como Porfírio, Proclo e Amônio Saccas [2].
 
Hipátia nasceu por volta do ano 370 e viajou para Atenas onde acabou por se envolver com o Movimento Neoplatônico. Mais tarde acabou por assumir a liderança da famosa Escola de Alexandria, no Egito. Profundamente instruída na Teosofia Eclética, expunha as doutrinas de Platão e contribuiu para restaurar o valor dos Mistérios, seguindo os passos dados anteriormente por Jâmblico, Porfírio e Plotino. Prosseguindo o trabalho de Amônio Saccas, ensinava igualmente a identidade fundamental de todas as religiões.
 
Os ensinamentos teosóficos de Hipátia eram a maior das ameaças à aceitação da frágil  teologia cristã. As suas doutrinas universalistas, bem como o uso firme da razão, punham a nu perante todos a origem dos plágios e da fraude cometidos pelo Cristianismo.
 
Helena Blavatsky escreve na sua obra “Ísis Sem Véu”:
 
“Foram precisamente os ensinamentos dessa filósofa pagã (…) que levaram a que muitos se juntassem à nova religião, e então a luz platônica começou a lançar um brilho por demais inconveniente sobre a piedosa colcha de retalhos, porque ela fez ver a todos a fonte de onde provinham as doutrinas ‘reveladas’. (…) A Igreja teve de lutar por sua vida, para não dizer por sua supremacia futura. Apenas eles, os sábios e eruditos pagãos detestados, e os não menos sábios gnósticos, tinham em suas doutrinas os fios até então ocultos de todas essas marionetes teológicas. Uma vez erguida a cortina, a conexão entre a antiga religião pagã e a nova religião cristã foi exposta; e, então, o que aconteceria com os mistérios em que penetrar era um pecado e uma blasfêmia? Com a coincidência das alegorias astronômicas de vários mitos pagãos, com as datas adotadas pelo Cristianismo para a natividade, a crucificação e a ressurreição, e com uma identidade de ritos e de cerimônias, qual teria sido a sorte da nova religião se a Igreja, com pretexto de servir a Cristo, não se desembaraçasse dos filósofos mais bem informados?” [3]
 
A sabedoria de Hipátia ecoava por toda a Alexandria e mais além, recebendo o reconhecimento dos melhores intelectos da sua época, entre os quais muitos cristãos, como por exemplo Sinésio, bispo de Cirene, que chegou a ser seu discípulo. Foi detestada e odiada pelos cristãos fanáticos, encabeçados por Cirilo, bispo de Alexandria.
 
Segundo relatos, numa tarde do ano de 414, uma multidão enraivecida de monges ligados a Cirilo se dirigiu até às portas do local onde Hipátia dava seus ensinamentos. Instantes depois,  acabaram por assassinar a mais brilhante das mulheres de Alexandria, marcando o início da decadência da grande Escola Neoplatônica de Alexandria. Segundo alguns, a morte de Hipátia marcou o início da “Idade das Trevas”, ou da Ignorância.
 
A sanha persecutória dos cristãos fanáticos dos primeiros séculos não deixou pedra sobre pedra. Milhares de pergaminhos, edifícios, templos pagãos e estátuas foram destruídos. Escolas de sabedoria foram fechadas  e filósofos e místicos mortos.
 
Sem meias palavras, Blavatsky indaga:
 
“Se o coup d´état [golpe de estado] tivesse falhado, seria na verdade muito difícil adivinhar qual seria a religião predominante no nosso próprio século. Mas, com toda probabilidade, não teria ocorrido o estado de coisas que fez da Idade Média um período de escuridão intelectual, que degradou as nações do Ocidente e rebaixou o cidadão europeu daquela época ao nível de um selvagem da Papuásia.” [4]
 
Para a história, ficou a morte de uma mulher sábia nas mãos de um bando de ignorantes comandados por um bispo tirano e sanguinário,  que acabou por ser elevado a santo (São Cirilo!) pela Igreja Católica.
 
Por tudo isto, e muito mais, aplaudimos o filme “Ágora”, que retrata a notável figura de Hipátia de Alexandria. Consideramos  louvável e corajoso este projeto cinematográfico do diretor Alejandro Amenábar.
 
Vale a pena conhecer algumas ideias de Amenábar sobre esta sua obra:
 
“Eu nunca estive interessado em ciência.  Para mim, a beleza deste projeto foi ter estado em contato com o mundo da ciência do ponto de vista espiritual, emocional.  Nossa intenção com o filme é transmitir a emoção do que acontece no universo. Significa que tenta desvendar o mistério do cosmos.”
 
O realizador faz transparecer no filme algo a que se aplicam estas palavras de Einstein, escritas a propósito da religiosidade cósmica:
 
“[Os] gênios religiosos de todos os tempos se distinguiram por essa religiosidade diante do cosmos. Ela não tem dogmas nem um Deus concebido à imagem do homem; portanto nenhuma Igreja ensina a religião cósmica. Temos também a impressão de que os hereges de todos os tempos da história humana se nutriam com esta forma superior de religião.” [5]
 
Amenábar conclui dizendo:
 
“Acabamos contando a história de Hipátia no século V e em Alexandria por um processo de depuração.  Primeiro foi uma história que abrangeu dois mil anos, a partir do sistema geocêntrico à relatividade, e fomos delimitando.  Pesquisando sobre Hipátia e o período em que ela viveu descobrimos muitas conexões com o mundo atual, e isso nos pareceu duplamente interessante. Alexandria era o símbolo de uma civilização que estava morrendo nas mãos de diferentes facções, fundamentalmente religiosas, e Hipátia foi uma personagem que para muitos marcou de maneira simbólica o fim do Mundo Antigo e o começo da Idade Média. Ágora é, em muitos aspectos, uma história do passado sobre o que está acontecendo agora, um espelho para que o público olhe e observe de uma distância de tempo e espaço, e descubra, surpreendentemente, que o mundo não mudou tanto assim.”
 
De fato, assim é.
 
Até hoje, que se saiba, a Igreja Católica não reconheceu a injustiça cometida contra Hipátia, talvez porque isso significasse a capitulação perante todos aqueles que defenderam, e defendem ainda hoje, que o cristianismo, no que tem de melhor, tem uma dívida em relação às religiões antigas. Por outro lado, o sectarismo religioso continua a ser a fonte da maioria dos males que afligem a humanidade.
 
A história de Hipátia ganha visibilidade com o filme de Amenábar.  “Ágora” é uma verdadeira lição de teosofia e algo que não se deve perder.
 
NOTAS:
 
[1] Ver texto “O Caminho do Aprendizado”, em duas partes, em nossos websites associados. (JS)
 
[2] Em “A Chave Para a Teosofia”, HPB informa que foram Amônio Saccas e seus discípulos que introduziram no século III o nome “Teosofia”, inaugurando o sistema Teosófico Eclético. (JS)
 
[3] “Ísis Sem Véu”, Vol. III, H. P. Blavatsky, Ed. Pensamento, SP, pp. 224-225. (JS)
 
[4] Na obra citada anteriormente. (JS)
 
[5] O texto “A Religião Cósmica” pode ser encontrado  em nossos websites associados. (JS)
 
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Para conhecer um diálogo documentado com a sabedoria de grandes pensadores dos últimos 2500 anos, leia o livro “Conversas na Biblioteca”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
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Com 28 capítulos e 170 páginas, a obra foi publicada em 2007 pela editora da Universidade de Blumenau, Edifurb.  
 
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