Há um Preço a Pagar Quando
Se Destrói a Ilusão Organizada
Carlos Cardoso Aveline
Nicolas Berdyaev (foto) nasceu em 18 de março de 1874
O Universo é um processo criativo. Ele está em evolução, e o seu desenvolvimento obedece à Lei da Simetria e do Equilíbrio. Nada surge por acaso. Tudo tem o seu preço cármico.
Se alguém deseja agir com solidariedade, deve compreender os mecanismos da competição. Quando buscamos pela verdade, é necessário enfrentar as formas ilusórias de olhar a vida. Se desejamos sinceridade, devemos conhecer e derrotar o seu oposto.
Em um livro em que discute o futuro dos seres humanos, o filósofo russo Nicolas Berdyaev escreveu:
“A Ética não tem dado atenção suficiente ao papel monstruosamente grande cumprido pela falsidade na vida moral e espiritual do ser humano. Não me refiro à falsidade vista como expressão da maldade, mas à falsidade que é moralmente aprovada como boa. As pessoas não acreditam que o bem possa ser preservado e estabelecido sem a ajuda da falsidade. O bem é a meta, e as mentiras são o meio de chegar à meta. No século 19, Tolstoi, Ibsen, Nietzche e Kierkegaard protestaram veementemente contra a falsidade da nossa vida moral. A vida religiosa da humanidade, e talvez especialmente do Cristianismo, é permeada pela falsidade.”
E Berdyaev acrescentou:
“Há um tipo de falsidade que é considerada uma obrigação moral e religiosa, e aqueles que a rejeitam são catalogados como rebeldes. Há acumulações sociais de falsidade que se tornam parte da ordem estabelecida das coisas. Isso está ligado ao caráter essencial da percepção e do julgamento morais, e com a ausência do que eu chamo de ações morais autênticas. [1] A falsidade socialmente aceita e organizada se articula em torno de todas as agrupações sociais, tais como a família, a classe social, o partido, a igreja, a nação, o estado. Esta falsidade estabelecida é um meio de autopreservação para estas instituições; a verdade poderia levá-las à sua destruição. A falsidade estabelecida dos grupos socialmente organizados (e eu incluo entre eles as escolas de pensamento e as tendências ideológicas) tira do ser humano a liberdade necessária para ter uma percepção moral e um julgamento moral. O julgamento moral não é feito por uma personalidade livre na presença de Deus [2], mas é feita pela família, pela classe social, pela nação, pelo partido, pela igreja, etc.” [3]
A Coragem de Mudar
Ao abordar a família, centro da civilização humana, Berdyaev escreveu:
“Que quantidade de falsidades aceitas e estabelecidas se acumula na vida familiar! E isso é visto como essencial para a existência e a autopreservação da família. Quantos sentimentos verdadeiros são escondidos, e quantos sentimentos falsos são expressados, e como são consensualmente falsas, com frequência, as relações entre pais e filhos, entre maridos e mulheres! A hipocrisia adquire o caráter de uma virtude familiar. O que nunca encontra expressão na consciência, ou é expressado de alguma maneira enganosa e incompreensível, fica estocado no subconsciente.”
A visão crítica dos laços familiares convencionais é ensinada pela Filosofia, pela Teosofia, e pela Psicologia. Enquanto a psicologia fala de doenças e curas, a filosofia esotérica ensina o despertar da alma imortal em meio aos desafios emocionais. A vida familiar pode ser mudada de dentro para fora. Uma regeneração gradual ocorre sob a inspiração silenciosa da sabedoria eterna.
A Falsidade nas Religiões
Uma das fontes de ilusão na vida moderna são as igrejas e seitas religiosas. Apesar das aparências de santidade, elas são em geral obstáculos para a evolução da alma humana, conforme explica um Mestre de Sabedoria na Carta 88 de “Cartas dos Mahatmas”. [4]
Berdyaev aborda o estabelecimento da falsidade como norma social “elogiável” e quase obrigatória. O cidadão é ensinado a não pensar por si mesmo, inclusive no caso da religião:
“A falsidade tem o seu próprio simbolismo, e este simbolismo é visto como algo bom. Quando uma mentira adquire o caráter de um símbolo social, ela é sempre vista como uma coisa boa. Ela é considerada como algo mau apenas quando praticada individualmente. As mentiras sociais passaram a ser aceitas como verdades. Tais mentiras estão presentes nos ensinamentos de todas as denominações: nos ensinamentos dos católicos sobre os ortodoxos, dos ortodoxos sobre os católicos, dos cristãos sobre os não-cristãos, e vice-versa. A quantidade acumulada destas mentiras é tremenda. É quase impossível chegar à verdade, a percepções puras, livres, de primeira mão, e originais.” [5]
Embora a falta de respeito pela verdade seja um problema grave, não há motivo para desânimo. O pensamento negativo é tão ilusório quanto o idealismo ingênuo.
O pessimismo tira do ser humano a esperança, e a esperança é essencialmente verdadeira. Ela surge da certeza intuitiva de que há um potencial sagrado na alma imortal de cada um, e de que este potencial será desenvolvido no ritmo certo. Uma esperança pode ser ilusória quando diz respeito a fatos materiais, ou a fatos de curto prazo, mas ela funciona como um raio de luz vindo da alma imortal, quando se dirige para questões transcendentes e confia no futuro.
Entre as tarefas revolucionárias que os cidadãos de boa vontade vêm realizando está a de desmantelar os mecanismos da ignorância, em si mesmos e nos grupos familiares e sociais a que pertencem. Em muitos casos as ilusões estão caindo por si mesmas. No entanto, sempre é possível ajudar e acelerar o processo.
NOTAS:
[1] “Autênticas”. No original em inglês, “first-hand”: literalmente, “de primeira mão”, próprias, originais.
[2] A palavra “Deus” aqui não faz sentido, a menos que seja definida como Lei Universal, como Eu Superior, ou como “a voz da sua própria consciência individual”.
[3] “The Destiny of Man”, Nicolas Berdyaev, Harper Torchbooks, Harper & Brothers, New York, 1960, 310 pp., ver pp. 160-161.
[4] Ed. Teosófica, Brasília, dois volumes.
[5] “The Destiny of Man”, obra citada, ver pp. 161-162.
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A obra tem 255 páginas e foi publicada em outubro de 2013 por “The Aquarian Theosophist”. O volume pode ser comprado através de Amazon Books.
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