A Expansão e a Retração São
Igualmente Necessárias Para a Arte de Viver
Carlos Cardoso Aveline
A roda da vida inclui um centro e uma periferia
Todo ser humano tem vários níveis de consciência e deve exercê-los ao mesmo tempo.
Ele deve ser capaz de transcender limitações e erguer-se acima de definições estreitas, ampliando seus horizontes cada vez mais.
Mas o indivíduo também necessita de um foco claro para as suas atividades concretas. É indispensável que concentre suas energias em torno de metas definidas, especialmente se quiser realizar de fato alguma coisa durável.
Cabe examinar, levando em conta uma expectativa razoável de vida biológica para a sua encarnação atual, o que é possível, correto, e desejável que se realize.
É verdade que as realizações humanas visíveis podem, externamente, desfazer-se com rapidez. Mas, no plano oculto – isto é, internamente – todas elas ficam registradas para sempre. Elas produzirão efeitos não só a curto, médio e longo prazo, mas também num tempo quase eterno. Expressando esse paradoxo, Jorge Luis Borges escreveu:
“Nada se edifica sobre pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fora pedra a areia…” [1]
Ao compreender a não-durabilidade externa das nossas ações, mas percebendo ao mesmo tempo que os seus efeitos dinâmicos são duráveis e de certo modo imortais no plano essencial, o aprendiz da arte de viver se pergunta:
“Em que direção definida devo trabalhar, de modo a plantar claramente algum bom carma e ter uma existência satisfatória?”
Tanto no caminho espiritual como nas diferentes dimensões da vida, há sempre a tentação de ficar apenas sobrevoando temas e de pensar que assim se “transcende” as coisas externas.
Como estudante, o indivíduo tem todo o campo do conhecimento humano ao seu dispor. Tal conhecimento é imenso. Ele deve ler exatamente o quê? Como resistir à delícia de buscar a “onisciência” e querer aprender e saber sobre tudo e todas as coisas? Como conseguir a energia para fazer o sacrifício humilde que é realizar algo de fato, na direção correta?
A verdade é que a opção por ampliar os seus horizontes corresponde à diástole. Nela, o coração relaxa, se expande, e absorve.
A opção por construir algo corresponde à sístole, quando o coração se contrai e emite o sangue novo para todos os lados. O indivíduo precisa das duas coisas para viver bem. Ele precisa da expansão e da contração; do sonho e da concretização; do céu e da terra. Precisa ser um filósofo e um operário. [2]
A sístole – o cumprimento do dever – deve ter a mesma intensidade da diástole, o aprendizado, o descanso, o repouso. A sístole é a concentração; a diástole é o relaxamento. O equilíbrio correto entre estes dois elementos produz uma vida adequada.
Participar, por exemplo, da construção em língua portuguesa de um movimento teosófico autêntico, é uma tarefa que corresponde à sístole, e para isso é necessário ter uma boa concentração. É recomendável ter a decisão clara de emitir até longe, no espaço e no tempo, um sinal que chegará a cada célula viva; de lançar ao mundo uma certa energia renovadora, o sangue arterial, renovado.
Por outro lado, é igualmente indispensável relaxar, observar o todo, absorver o sentimento universal, viver a diástole. As duas coisas avançam na vida concreta como as batidas do coração.
Seria ingênuo trabalhar apenas como a formiga incansável da fábula. Ou pretender meditar em abstrato o tempo todo fazendo para si mesmo o papel do sábio autoiluminado que não pode “colocar as mãos na massa”; ou que é “tão evoluído” que pode abster-se de ajudar uma causa nobre.
O mesmo vale não só para a construção do movimento teosófico do século 21, mas para qualquer coisa correta e bem feita na vida.
Em tudo é preciso dosar e equilibrar o esforço concreto e a visão abstrata; a dimensão espiritual e a construção terrestre. A atitude do estudante de filosofia em relação ao mundo externo deve ser fundamentalmente ativa, e não receptiva. Ele deve agir no mundo com um projeto claro, sem deixar que sua mente se disperse, ou que seja arrastada para lá e para cá pelas marés de curto prazo.
Em “A Voz do Silêncio”, de Helena Blavatsky, vemos que a Lei do Carma funciona através de ciclos alternados de exteriorização e de recolhimento.
O Fragmento Dois da obra afirma:
“A roda da Boa Lei se movimenta rapidamente. Ela mói de dia e de noite. As cascas sem valor são levadas para longe do grão dourado; o dejeto é separado da farinha. A mão do Carma guia a roda; as voltas que ela dá marcam as batidas do coração cármico.”[3]
A visão teosófica do mundo mostra o contraste entre a vida biológica de cada indivíduo e a Vida Infinita. Da compreensão deste contraste surge a sabedoria, e o indivíduo decide viver com realismo, e concentrar a sua limitada energia individual naquilo que realmente vale a pena. Assim se reduz pouco a pouco o desperdício de energias, e o aprendiz passa a usar com eficiência a força de que dispõe.
NOTAS:
[1] “Elogio da Sombra / Um Ensaio Autobiográfico” – Jorge Luis Borges, Ed. Globo, 1993, SP, 122 pp., ver p. 60.
[2] Sobre este tema, veja também “Isis Unveiled”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., volume I, pp. 242-247; pp. 270-271, pp. 318-319; e volume II, p. 463. E ainda “The Key to Theosophy”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., India (Mumbai), p. 187.
[3] “A Voz do Silêncio”, Helena P. Blavatsky, edição online dos nossos websites associados, 2016, Fragmento Dois, Aforismo 121, página 18.
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