‘Seiryoku Zenyo’, o Uso Correto
da Energia no Caminho do Equilíbrio
da Energia no Caminho do Equilíbrio
Carlos Cardoso Aveline
Jigoro Kano (1860-1938), fundador do Judô
Todo estudante de filosofia clássica se sente convidado a assumir o controle do seu próprio destino. À medida que isso acontece, porém, ele se vê obrigado pelas circunstâncias a expandir constantemente sua força moral.
O peregrino precisa tomar a firme decisão de fazer a coisa certa em cada aspecto da sua existência pessoal, tanto quanto isso é possível. Ele terá de enfrentar um grau variável e surpreendente de conflitos, consigo mesmo e com as formas socialmente estabelecidas de ignorância. O caminho espiritual é com frequência descrito como uma luta, e o clássico budista “Dhammapada” afirma:
“Melhor que um homem que vence em batalhas mil vezes mil homens, é aquele que vence a si mesmo. Ele é, na realidade, o maior dos guerreiros.” (capítulo 8, verso 103)
Como numa guerra, o estudante deve aprender a usar com cuidado as suas energias. Um mestre de sabedoria escreveu:
“Coragem, pois, todos vocês, que querem ser guerreiros da Verdade una e divina; prossigam com valentia e confiança: alimentem sua força moral, não a desperdicem com futilidades, mas usem-na em grandes ocasiões….”. [1]
A metáfora do guerreiro na busca da verdade significa que a prática do altruísmo necessita força, e que a fraqueza não é generosidade.
Helena P. Blavatsky disse que a ética da teosofia é mais importante que a sua compreensão raciocinada. [2] No entanto, a escolha e a decisão sobre a ação correta deve ser interna. Depende de cada estudante investigar qual é o melhor modo de expandir sua força interior, transformando palavras em atos e informação em sabedoria.
A decisão de dar prioridade à ética ocorre diariamente e a cada hora. Além disso, ela requer discernimento, coragem e desapego. Mesmo quando vemos a diferença entre o certo e o errado, pode ser difícil abandonar o erro e adotar a ação correta. Em um dos seus artigos, H.P. Blavatsky examinou esta questão dolorosa:
“Será que iremos separar o joio do trigo, e alimentar-nos com o joio?”
E alguns parágrafos mais adiante ela responde:
“Já é hora de separar o joio do trigo, e lançar fora o joio.” [3]
Há uma dura batalha entre sabedoria e ignorância na alma de cada ser, assim como em toda comunidade humana. Por esse motivo a filosofia tem sido essencial para artes marciais Orientais como Tai Chi Chuan, Judô e Aikidô.
O fundador do Judô, Jigoro Kano, foi um filósofo profundo, e ensinou sobre a necessidade prática de um desenvolvimento moral para aquele que pretende ter uma vida ética. Segundo Jigoro, o conhecimento correto e a emoção correta devem estar unidos para que haja força interior.
Ele escreveu:
“Num certo sentido, a educação moral deve ser implementada com base no aspecto do conhecimento. Isso quer dizer que é necessário conhecer intelectualmente o que é bom e o que é ruim. Também é necessário desenvolver a inteligência para distinguir o certo do errado em várias situações complexas. Assim, é necessário ensinar a pessoa a distinguir o bom do ruim, diferenciar o que é certo e o que é errado.”
No entanto, isto não é suficiente:
“Num outro sentido, a educação moral deve ser implementada com base no aspecto das emoções. Mesmo que, intelectualmente, você saiba distinguir o certo do errado, se não for treinado emocionalmente para gostar do que é bom e evitar o que é ruim, sua capacidade de fazer o bem e de rejeitar o ruim será deficiente. Se a moral não for cultivada intelectual e emocionalmente, não se chegará a bons resultados.”
É o treinamento das emoções que ajuda os estudantes a evitar o perigo mencionado por Blavatsky de “separar o joio do trigo, e alimentar-se com o joio”. A escolha emocional deve estar em harmonia com a decisão tomada no plano intelectual e no plano espiritual.
Jigoro Kano prossegue:
“Além disso, mesmo que você tente fazer o bem e rejeitar o mal, se sua força de vontade for fraca, ocorrerá muitas vezes o resultado oposto. Assim, o treinamento da força de vontade deve ser parte da educação moral – uma força de vontade fraca pode resultar na incapacidade de fazer o que você considera correto ou de evitar algo que você sabe que é errado.” [4]
Jigoro Kano e a Raja Yoga
O ensinamento moderno da teosofia tem uma forte ligação com três formas de Ioga. Uma delas é Jnana Ioga, a disciplina da contemplação e do pensamento abstrato. Outra é Carma Ioga, a ciência da ação correta. A terceira é Raja Ioga, o caminho do autoconhecimento e do autocontrole.
Em todas as situações a autonomia do discípulo é um princípio decisivo na pedagogia teosófica. A meta é o fortalecimento simultâneo do autoconhecimento, do autorrespeito e do autocontrole, uma operação que requer decisão firme e força de vontade. Na mudança gradual do seu carma de ignorância para um novo carma de sabedoria crescente, o estudante precisa revisar e melhorar os seus hábitos, porque eles são uma expressão da herança cármica da cegueira espiritual.
O fundador do Judô afirma:
“Também é importante não esquecer o hábito. Mesmo que você tenha a intenção de fazer o bem, se não desenvolveu esse hábito, suas melhores intenções podem facilmente se desvirtuar. E mesmo as melhores intenções de rejeitar o mal podem falhar se você não desenvolveu o hábito de fazer isso. Por essa razão, você deve procurar cultivar bons hábitos, amar o que é bom e rejeitar o mal diariamente.”[5]
Este princípio da filosofia do judô reforça a atitude correta diante do dilema de saber o que é certo e errado e não ser capaz de agir à altura. Coincide também com o Dhammapada, que recomenda em seu versículo 183:
“Abandone toda maldade. Cultive a si mesmo e estabeleça-se no bem. Purifique sua mente.”
Jigoro Kano explica a ética do judô:
“Quando considerada dessa maneira, a educação moral torna-se uma questão de juntar todos esses elementos de maneira que os resultados possam ser atingidos. Mesmo assim, ainda é preciso definir quanta ênfase devemos colocar no cultivo de cada um desses quatro elementos.[6] O treinamento intelectual, apenas, não é suficiente para determinar esse equilíbrio. Tudo o que podemos fazer é sugerir que uma coisa seja considerada mais importante que outra. Mas, de qualquer maneira, devemos determinar o quanto vale cada elemento e esclarecer ao máximo qual o objetivo que estamos tentando atingir. Isso é essencial para determinarmos o método pelo qual é possível atingir esse objetivo. Assim, na educação moral, como no caso do treinamento intelectual, para usar o seiryoku zenyo [o melhor uso da nossa energia] é necessário que deixemos claros os objetivos que desejamos atingir.” [7]
O indivíduo deve usar o poder da sua boa vontade para abandonar ciclos repetitivos de ações negativas, estabelecendo ciclos de ação novos e melhores. Esta ideia constitui um princípio central e uma tarefa decisiva tanto em teosofia como em artes marciais. Robert Crosbie, o principal fundador da Loja Unida de Teosofistas, escreveu no começo do século 20:
“Na primeira vez que fazemos algo, ainda não há um hábito; mas se repetirmos a ação, e continuarmos repetindo, ela finalmente se tornará automática. Com o conhecimento da lei dos ciclos, os hábitos ficam dentro dos limites do nosso controle inteligente.” [8]
Em todos os aspectos da vida, o uso correto da energia (seiryoku zenyo) implica sabedoria, e o seu oposto é a marca registrada da ignorância.
O emprego adequado da força vital leva à concentração da mente, à contemplação, ao autoconhecimento e à felicidade. A filosofia do seiryoku zenyo está ligada à simplicidade voluntária. No nível sociológico, ela abre caminho para a adoção de hábitos moderados e para políticas públicas sábias em relação ao uso dos recursos naturais. O princípio do Seiryoku Zenyo estimula a preservação da natureza e convida a adotar formas ecologicamente sustentáveis de desenvolvimento econômico. Ele torna mais fácil alcançar a justiça social, fortalecendo o respeito mútuo e a fraternidade entre todos os seres.
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, DF, 2001, edição em dois volumes, ver volume II, carta 130, p. 287.
[2] “Five Messages” (de H.P. Blavatsky para os teosofistas norte-americanos); livreto publicado pela Theosophy Company, Los Angeles, 1922, 32 pp.; ver Third Message, 1890, p. 26. O livreto “Five Messages” está disponível em PDF em nossos websites associados.
[3] Do artigo “On Pseudo-Theosophy”, de Helena P. Blavatsky, que está disponível em nossos websites associados. Veja também “Theosophical Articles”, Theosophy Co., volume I, pp. 161 e 163.
[4] Do livro “Energia Mental e Física”, de Jigoro Kano, Editora Pensamento, SP, Brasil, 2008, 128 pp., ver p. 59.
[5] Do livro “Energia Mental e Física”, de Jigoro Kano, Editora Pensamento, SP, Brasil, 2008, 128 pp., ver pp. 59-60.
[6] Como vimos acima, os quatro pontos são: 1) ter intenção correta; 2) construir hábitos corretos; 3) amar o que é bom; e 4) rejeitar o que é mau.
[7] “Energia Mental e Física”, de Jigoro Kano, obra citada, ver p. 60. Cabe acrescentar que Jigoro afirma à p. 70: “…Por meio do judô, ensinamos um princípio que pode ser trabalhado junto com os princípios mais elevados do budismo ou do cristianismo ou dos estudos exaustivos dos filósofos; um princípio que, como as outras filosofias e religiões, pode ser colocado em prática.” No entanto, ele afirma na mesma página: “É difícil encontrar pontos em comum com uma pessoa que tenha feito apenas estudos superficiais. Eu não posso fazer essa associação com pessoas que apenas repetem o que lhes foi ensinado.”
[8] Robert Crosbie, no seu breve artigo “Os Ciclos dos Hábitos”. O texto está disponível em nossos websites associados.
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A respeito do desafio de agir à altura do conhecimento que temos sobre o que é certo e errado, veja também em nossos websites associados o artigo “O Dilema Ético de S. Paulo”.
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
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